Estava a sair da pastelaria, quando vi um cartaz com letras grandes onde se anunciava:
"Decorrem durante o mês de Outubro as candidaturas para as seguintes funções públicas, válidas para o ano civil de 2006:
- Cozinheiro
- Pasteleiro
- Encarregado de cafetaria
- Balconista
- Empregado de mesa
As inscrições devem ser efectuadas nas delegações regionais do Ministério da Alimentação.
Os resultados do concurso nacional serão divulgados no dia 15 de Novembro."
Aquilo despertou-me a curiosidade e voltei atrás para perguntar ao mesmo senhor com quem tinha falado momentos antes em que é que aquilo consistia.
"Então, o concurso recoloca anualmente os profissionais do sector alimentar nos diversos restaurantes e pastelarias municipais espalhados pelo país. Senão, era uma confusão!"
Portanto, pelos vistos, eles faziam com estas pessoas algo semelhante ao que nós em Portugal fazemos com os professores não-universitários. Quando lhe expliquei isso, ficou com um ar entre a surpresa e a estupefacção e perguntou:
"Mas porque é que não é cada escola a fazer a sua própria selecção? Eles devem saber melhor do que esse tal de Ministério da Educação quais as reais necessidades dos seus alunos e as especificidades da escola ou não?".
"E então porque é que vocês não fazem o mesmo com os vossos pasteleiros???", respondi, irritado por nunca ter pensado nessa hipótese.
"Mas a comida é um bem de primeira necessidade, estratégico!!! Não pode ser assim, colocado na mão de qualquer pessoa!", disse-me ele.
"E eu, pareço-lhe malnutrido ou doente? As únicas vezes que o meu Estado me alimentou foram precisamente aquelas em que pior comi - nas escolas, sendo a cantina da universidade o ex-libris da decadência, nos hospitais públicos e na tropa." Ele olhou para mim, pensativo, sem nada dizer durante alguns segundos, e de repente disse apenas "Então que ilações é que tira acerca da qualidade do vosso ensino?..."
"Mas o ensino é totalmente diferente, peço desculpa. O ensino é absolutamente imprescindível e..." - "Não mais que a comida, concerteza...", interrompeu-me ele.
"Mas a comida pode ser diferente de pessoa para pessoa, cada um escolher a sua, que todas elas têm, à sua maneira, calorias e nutrientes necessários à sua sobrevivência, mas o ensino tem de estar uniformizado para garantir que todos recebem a formação essencial!", disse-lhe eu.
"Tente pensar na educação como pensou na alimentação que eu prometo fazer o contrário", começou por dizer. "Cada um há-de poder escolher a formação que deseja e onde deseja, sendo que o somatório de isso tudo dará algo parecido com as calorias e os nutrientes de que falava na comida, ou não?"
"Então mas vocês como organizam o vosso sistema de ensino?", perguntei eu, já curioso.
"Bom, nós temos milhares e milhares de escolas espalhadas pelo país, com as organizações mais diversas. Elas próprias foram-se agrupando, criando acordos entre elas, reconhecendo-se mutuamente e aceitando alunos oriundos das mais diversas origens de conhecimento. Isso permite uma riqueza inacreditável, são raras duas pessoas que saibam exactamente o mesmo, que tenham tido precisamente a mesma formação."
"Mas as escolas são estatais, claro?"
"Claro... que não! Não há nenhuma escola estatal em Lagutrop! As escolas são empresas como qualquer outra - calculo que como os seus restaurantes, não? - há umas melhores e outras piores, umas mais caras e outras mais baratas. Por vezes, uma escola que era muito boa muda de mãos e vai piorando. Os melhores professores são altamente cobiçados e pagos a peso de ouro. Mas grosso modo, todas elas são boas e temos tido excelentes resultados ao nível do ensino. Um aluno mais introvertido tem escolas especializadas na sua educação, os mais rebeldes têm escolas onde os métodos de ensino vão ao encontro da sua energia extra, com mais actividade física, por exemplo. O meu filho, que desde pequeno sempre gostou de música, tem todo o seu ensino centrado na música, com currículos de matemática, história e português próprios para ele e para outros como ele."
Começava eu próprio a imaginar as múltiplas hipóteses, a enorme diversidade que o ensino podia incluir. Quando voltasse a Portugal, teria de contar isto a mais pessoas!