Ideias Livres

sexta-feira, setembro 30, 2005

Ideias Livres para Portugal - nº 4

Dispersão temporal das eleições autárquicas

Rui Rio deu uma ideia, há umas semanas atrás, que foi completamente desprezada pela opinião pública. Instado a comentar a típica miscigenação da política local com a política nacional em período de eleições autárquicas, Rio disse que tal só deixaria de suceder se as eleições autárquicas não ocorressem todas ao mesmo tempo.

Explorando esta ideia verificamos que, havendo 305 concelhos em Portugal, com mandatos de 4 anos, teríamos em média 6 eleições por mês. Caso quiséssemos evitar outros períodos eleitorais e o mês de Agosto, por exemplo, ficaríamos com cerca de 8 eleições por mês, ou seja, 2 eleições por semana, algures, no país. Este fim de semana, Alfândega da Fé e Ourique, na próxima, Nelas e Caminha, e por aí fora.

As vantagens são múltiplas:

1. O(s) partido(s) no governo deixariam de condicionar a sua política nacional ao timing das eleições autárquicas. Senão, não fariam outra coisa.
2. Os partidos de oposição ao governo deixariam de debater questões nacionais durante a campanha, preocupando-se com os temas que realmente interessam aos munícipes dos vários concelhos.
3. Haveria um melhor aproveitamento de recursos. São gastos centenas de milhares, senão milhões, de euros em material de propaganda, no aluguer de viaturas, em técnicos de som e luz, entre outros, durante as campanhas eleitorais. A dispersão das eleições permitiria racionalizar estes recursos, distribuindo-os pelo país, criando meios polivalentes que pudessem ser utilizados em diferentes locais. Estas medidas permitiriam poupar valores significativos ao erário público.
4. Eleições em concelhos mais pequenos ganhariam outro destaque, dado não concorrerem com os grandes concelhos pelo tempo de antena nos noticiários. Todas as semanas se debateriam as preocupações de concelhos diferentes, promovendo uma visão descentralizada e integradora da sociedade portuguesa.

As desvantagens são operacionais e pontuais, podendo ser criada legislação que as impeça:

1. O surgimento de super-candidatos, uma espécie de papa-eleições, bem falantes e populistas, que passariam a vida a saltitar de eleição em eleição. Bastaria criar algumas limitações ao nº de vezes que uma dada pessoa poderia ser candidata.
2. Do outro lado da barricada, o aparecimento de super-eleitores, promovidos pelos partidos, que "mudariam" de residência com a frequência de um artista de circo, votando em todos os concelhos por onde passassem. À semelhança do ponto 1, bastaria limitar a mudança de cartão de eleitor a um dado período temporal.

Como se pode verificar, são muito mais relevantes as vantagens que as desvantagens desta opção, que deveria fazer parte da futura alteração da lei eleitoral, para bem da democracia portuguesa e da sociedade civil.

sábado, setembro 24, 2005

A discriminação nunca é positiva

A economia malaia é, à semelhança de outras sociedades do extremo oriente, dominada pela comunidade de origem chinesa, desde há séculos e por razões históricas. A comunidade malaia, maioritária, sempre viveu essencialmente da agricultura e das pescas.

Porém, na década de 70, foram implementados sistemas de quotas em quase todos os sectores da economia, da política e da educação, que forçaram a transferência de parte da propriedade em poder da comunidade chinesa para as mãos da comunidade malaia. Os chineses viram-se obrigados a vender compulsivamente e os malaios puderam comprar em saldo. Com estas medidas, a participação da comunidade malaia na economia passou de 2,4% para 19,3% entre 1970 e 1990. Este exemplo claro de discriminação racial é bastante comum um pouco por todo o mundo, tendo muitas vezes surgido como forma populista de angariar votos e sendo um claro caso em que a democracia não é sinónimo de um regime liberal e respeitador dos direitos individuais e inalienáveis dos seus cidadãos à propriedade. Teve, no entanto, bons resultados do ponto de vista económico, ajudando a converter uma boa parte da comunidade malaia da agricultura para a indústria e serviços.

No entanto, desde 1990, os defeitos deste tipo de medidas começou a vir ao de cima. Apesar de várias medidas no sentido de aumentar ainda mais a participação dos malaios, a sua participação accionista tem-se mantido teimosamente nos 20%. Isto porque os malaios têm aproveitado para comprar acções com condições preferenciais nas OPVs para, de seguida, as venderem imediatamente gerando mais-valias instantâneas. Por outro lado, têm sido os políticos e altos funcionários públicos quem mais tem aproveitado as vantagens dadas, criando autênticas fortunas, num caso evidente de corrupção.

Hoje, a maioria da população, incluindo a comunidade malaia, opõe-se ao sistema de quotas e discriminação étnica. Argumentam que este gerou um sistema de dependência, corrupção, favoritismo e compadrio, prejudicial para a economia e para a sociedade.

A discriminação, seja supostamente "positiva" ou não, acaba sempre por distorcer as sociedades e os mercados, provocando comportamentos enviesados de aproveitamento oportunista. A sua aplicação ao longo dos tempos tem sido levada a cabo pelos regimes mais totalitários, como o de Hitler, de Estaline e, mais recentemente, de Robert Mugabe, no Zimbabué. E não é o facto de, pontualmente, ter sucesso económico que a torna mais razoável, pois trata-se de uma violação clara do princípio da igualdade de direitos. Ao contrário do que algumas vozes críticas por vezes anunciam e parecem crer, para um liberal o resultado económico não se sobrepõe aos direitos das pessoas, mais concretamente, ao direito de propriedade, que inclui a inviolabilidade da integridade física dos indivíduos e dos seus bens. No entanto, de um modo geral, uma potencia a outra, pelo que são raras as situações de conflito.

quarta-feira, setembro 21, 2005

Há malta que nem com dois Estalines...

A subsidiação de alguns produtos ou serviços ocorre, geralmente, quando os mesmos apresentam um custo superior ao da sua concorrência mas o subsidiador - o Estado - considera que, em nome de um "interesse colectivo" por ele depreendido, normalmente em privilégio de um sector ou corporação, o seu consumo deve ser incentivado por via da diminuição directa do seu preço para o consumidor. Este é o típico subsídio aos produtos agrícolas, dado aos agricultores para lhes permitir colocar os seus produtos a preços inferiores aos do seu custo real no mercado - isto é, em dumping.

Existem porém alguns casos ainda mais enviesados, em que produtos cujo preço é já mais barato que o da sua concorrência vêm ser-lhes outorgada uma comparticipação de forma a aumentar ainda mais a vantagem competitiva. Um exemplo disso são os medicamentos genéricos, que tiveram até agora uma comparticipação suplementar de 10% face aos restantes medicamentos. Como analogia, imagine que, quando apareceram os retalhistas de hard-discount em Portugal, como o Dia, o Lidl ou o Plus, o Estado decidia que, usando o dinheiro dos nossos impostos, iria fazer um desconto de 10% a todos os que lá comprassem produtos...

Parece que este claro subsídio vai, finalmente, ser eliminado. Como seria de esperar, o lóbi atingido pela reposição da justiça já veio a público dizer que acha mal, que esta comparticipação só deveria ser eliminada quando os genéricos tivessem atingido uma quota de 20% de mercado, e que é fundamental que o Estado invista em campanhas de informação para incentivar a prescrição e a compra de genéricos. Para conseguir passar a minha mensagem vou recorrer novamente a uma comparação.

IKEA, diz-vos alguma coisa?

Ora bem, tal como os genéricos, era amplamente consumido no resto da Europa, mas não existia em Portugal.
Tal como os genéricos, tinha a sua presença num mercado essencial para a sociedade de bem-estar em que vivemos.
Tal como os genéricos, tinha como estratégia providenciar ao mercado produtos muito semelhantes a outros já existentes, mas a preços muito mais baratos.

Porém, enquanto os genéricos foram comparticipados em 10% face à concorrência, o IKEA teve de pagar do seu bolso todas as obras públicas em redor da sua loja de Alfragide.
Enquanto os genéricos tiveram fortes campanhas públicas de promoção da sua compra, o IKEA, como um normal participante do mercado, pagou do seu bolso todas as campanhas de promoção da marca e dos produtos.
Enquanto o representante das empresas de genéricos anda a choramingar na comunicação social, os responsáveis do IKEA trabalham afincadamente para nos servir bem, de forma a que os continuemos a preferir face à concorrência.

segunda-feira, setembro 19, 2005

Retrato da economia portuguesa

quarta-feira, setembro 14, 2005

A lotaria socialista

A Câmara Municipal de Lisboa, devido aos vários dirigentes políticos que por lá passaram e em especial pelos doze anos de coligação de esquerda, de 1989 a 2001, em que os comunistas tiveram liberdade total para encher a administração local de membros das células da cidade e arredores, em especial nas vereações que lhes são mais queridas, como a Cultura, o Desporto, a Habitação ou a Juventude, é hoje um autêntico cancro administrativo, com reformas cuja premência é gritante.

As próprias políticas "sociais" que desenvolveram foram, muitas vezes, atentados à sociedade e economia liberais, fotocópias de modelos falidos e que só por incompreensiva complacência de todos e um modo de fazer política que premeia a demagogia populista e a ignorância popular (sempre de braço dado...), continuam a existir. Estas políticas ajudaram a esvaziar a cidade de jovens, tendo então inventado um programa soviético de repovoação da cidade, com a construção de habitações para jovens (até trinta e muitos anos...) a preços mais reduzidos que os de mercado - não fossem as classes abastadas dominar o município e votar em quem não devessem. Como parece natural para qualquer pessoa que compreenda os mecanismos de mercado, os interessados nestas casas foram muitos mais do que os fogos disponíveis, pelo que a EPUL decidiu recorrer ao sorteio - sim, leram bem, sorteio! - pois a lei das probabilidades não tem nada a ver com o vil metal e sempre é mais um modo de deixar milhares de pessoas em suspense com uma decisão de uma entidade de capitais públicos a qual, com o girar de uma tômbola, decide a vida de milhares de pessoas (soa ou não a bloco de leste???).

Com esta política absurda de habitação, que pelo meio passou de um objectivo social para o puramente económico, aproveitando-se de terrenos públicos para fazer excelentes negócios, tendo grandes lucros e prejudicando os privados que tentam exercer a sua actividade contra esta concorrência desleal, a EPUL conseguiu fazer com que representantes da classe média-alta fizessem pura especulação imobiliária, com um retardamento de 5 anos imposto por quem criou as regras mas logo se apercebeu da sua impraticabilidade sem mais intervenções. Assim, estando um proprietário inibido de vender a sua casa durante cinco anos, muitos jovens, apoiados pelos pais, candidataram-se sem realmente querer as casas, tirando o lugar a muitas pessoas que realmente as queriam e estavam dispostas a pagar por elas preços de mercado, com sacrifício mas gosto. Passados cinco anos, colocaram-nas no mercado a preços reais, com rentabilidades de 50 % ou mais, tendo ainda pelo meio usufruido das mesmas.

Este esquema eticamente reprovável é visto até com alguma piada por quem nele participa - por não precisar realmente dele. A mim, honestamente, faz-me lembrar dois bons filmes sobre sociedades totalitárias. O primeiro, "Adeus Lenine", em que a mãe do jovem personagem principal acaba por conseguir ganhar um Trabantz após anos e anos de espera, sendo uma enorme alegria para a família, faz-me dar graças por não viver num país em que todas as casas são distribuídas desta forma, pois poderia nunca conseguir viver na minha cidade, ganhando um sorteio para uma habitação em Sintra, Odivelas ou Alcochete. O segundo, "A Ilha", ainda nos cinemas, em que milhares de pessoas vivem fechadas num mega-edifício por pretensa contaminação do exterior e cujo único sonho é vencerem a Lotaria, que lhes permitirá, segundo lhes é prometido pelos controladores dessa comunidade, irem viver para uma ilha paradisíaca longe dos gases nocivos da atmosfera circundante, recorda-me o prazer que o poder tem em controlar as vidas dos cidadãos e a permanente luta que devemos levar a cabo para o vencer.

Quem semeia ventos...

Mário Soares já começou a tentar acenar com o fantasma da instabilidade política caso Cavaco Silva vença as eleições presidenciais, dando a entender que este poderia promover uma campanha contra o governo, atacá-lo nas suas medidas e tentar derrubá-lo.

Espero que, em pleno debate televisivo, lá para Dezembro ou Janeiro, tenha a brilhante ideia de o repetir. E que Cavaco tenha o sangue-frio para dizer: "uma coisa prometo: nunca farei a nenhum primeiro-ministro deste país nem metade do que o senhor me fez a mim."

segunda-feira, setembro 12, 2005

Sol Nascente

A grande vitória de Junichiro Koizumi nas eleições antecipadas japonesas, convocadas a seu pedido após ver alguns dissidentes do seu próprio partido votarem contra a sua proposta de privatização dos Correios japoneses, é uma excelente notícia para todos os liberais. A sua campanha foi centrada nas importantes reformas a efectuar no Estado por forma a tornar a economia japonesa mais competitiva e dinâmica. O resultado obtido foi esmagador, obtendo a coligação a que pertence cerca de 2/3 da Câmara Baixa, suficiente para ultrapassar o bloqueio da Câmara Alta.

As reformas que se espera que Koizumi venha a implementar são excelentes notícias para a economia japonesa e mundial. O Japão tem uma economia bastante centralizada e dependente do Estado, com barreiras à mudança e muito burocrática. A sua competitividade era, até há pouco tempo, obtida pela elevado número de horas de trabalho anual, com enormes custos para a qualidade de vida dos cidadãos. Porém, com o boom chinês e de outros países do sudeste asiático, com uma estrutura de custos muito mais competitiva, já nem isso se tornou suficiente. A economia estagnou, os lucros desapareceram e o Nikkei caiu. As reformas a implementar são uma tarefa hercúlea para Koizumi e que não ficará acabada durante o seu mandato, mas são fundamentais para manter o Japão na linha da frente da economia mundial.

sábado, setembro 10, 2005

O regresso das distorções fiscais

Parece que o governo tenciona voltar a beneficiar fiscalmente os cidadãos que adquiram determinados produtos de investimento de baixo risco, mais conhecidos por PP's (Planos de Poupança). É natural que um governo socialista se sinta atraído por qualquer coisa que lembre vagamente o planeamento central e os grandes projectos plurianuais dos regimes socialistas do século passado (julgo até que ainda há um ou outro por aí, mas já não tem dinheiro para grandes voos...).

O governo considera que fomenta a poupança com esta medida. Mas o que é a poupança? De acordo com o Dicionário Houaiss, trata-se de "uma fracção da renda nacional ou individual que não é aplicada em serviços e bens de consumo". O governo quer, portanto, fomentar a diminuição do consumo, sem mais. Infelizmente, o problema da nossa economia não está apenas no excesso de consumo mas na falta de investimento. E essa falta de investimento não se promove com medidas avulsas, mas com reformas estruturais da economia e, essencialmente, do Estado e da sua influência na nossa vida.

Uma pessoa que tenha acumulado algum dinheiro deverá sentir-se tentada a investi-lo. A oferta de fundos de investimento é hoje já significativa, tendo o mercado três bancos especializados neste tipo de produtos de poupança/investimento - ActivoBank7, Banco Best e BIGonline - mas ofertas do mesmo género abundam em toda a banca de retalho. No fundo, a linha que separa a poupança do investimento é muito ténue. Segundo a mesma fonte, investimento é "aquilo que se adquire, porque permite realizar determinado trabalho a custo mais baixo ou mais eficientemente, ou porque se valorizará com o tempo", podendo ser enquadrada na definição de poupança, pois não se trata de um bem de consumo nem de um serviço - pelo menos, não mais do que os PP's.

Porém, um cidadão que, ponderadamente, analise as várias ofertas do mercado e decida investir o seu dinheiro nas que considera poderem remunerar melhor o seu capital, não é abrangido pelos benefícios dados exclusivamente aos PP's. No fundo, o governo prefere ver o dinheiro nas mãos das instituições financeiras, com baixo rendimento para o cidadão e alto rendimento para a banca, que o reinvestirá analisando o mercado, do que deixar esses mesmos cidadãos escolher fundos que os poderão remunerar significativamente melhor.

Por último, significa ainda uma diminuição de receitas fiscais para o governo na ordem dos 0,1% do PIB, sendo também nesse aspecto uma má notícia.

Esta medida é, em súmula, errada e contraproducente, provoca uma distorção do mercado de investimento, beneficiando exclusivamente a grande banca e deixando no ar a suspeita de que as acusações feitas o ano passado por Santana Lopes e Bagão Félix a este sector poderiam ter alguma razão de ser.

quinta-feira, setembro 08, 2005

O pequeno demagogo

As declarações de Francisco Louçã a propósito das pontuais medidas anunciadas pelo governo para combate aos incêndios florestais, mormente a aquisição de uma frota própria, são de uma pobreza intelectual e de uma demagogia gritantes, fazendo parte da guerra fundamentalista que desde novo proclamou contra o capitalismo, servindo ainda para soltar mais um dos seus sound bytes populistas contra Dias Loureiro, próximo de Cavaco Silva, não se coibindo de dizer meias verdades e omitir factos importantes.

Para ele, se uma maternidade tem lucro, explora a alegria dos progenitores.
Se uma empresa de produtos lácteos tem lucro, explora a preocupação materna.
Se uma escola tem lucro, explora o direito fundamental ao conhecimento.
Se uma discoteca tem lucro, explora a ingenuidade dos jovens utilizadores.
Se uma empresa de organização de casamentos tem lucro, explora o carácter único do momento.
Se um jornal tem lucro, explora o direito do cidadão à informação.
Se uma agência de férias tem lucro, explora o direito do trabalhador ao merecido descanso.
Se uma empresa de serviços médicos tem lucro, explora os doentes.
Se uma empresa de serviços funerários tem lucro, explora os fragilizados familiares dos defuntos.

Toda a actividade comercial se transforma, aos seus míopes olhos, num braço armado da exploração do homem pelo homem. Para Louçã, tudo entra no mesmo saco, não querendo reconhecer o que evidentemente sabe que existe e que é a base da economia humana e suporte do capitalismo: o valor acrescentado. Quem sabe por ele próprio nunca ter sido capaz de o criar. No fundo, ele, economista, é a némesis da educação económica em Portugal, num processo mental a pedir a intervenção urgente de um psicanalista.

Resta-me pensar que, se um político diz barbaridades destas, explora a ignorância do povo.

domingo, setembro 04, 2005

Imprensa Livre?

A mais que provável compra do Grupo Media Capital pelo Grupo Prisa tem provocado variadas reacções, negativas ou neutras, na opinião pública e no meio político. Importa, porém, separar as águas ao analisar esta aquisição e tentar dissecar as várias questões que se põem, não as confundindo:

1 - Grupo espanhol compra grupo português: mais uma vez, várias vozes se levantam gritando bem alto a perda de independência face a Espanha. Ora, para mim, nem a Media Capital é Portugal, nem a Prisa é Espanha. O primeiro é um grupo de comunicação social e meios, de capitais privados, com um crescimento meteórico e uma excelente administração, que tem sabido compreender o mercado recorrendo a reality shows populistas mas também tem apostado na produção nacional, e com imenso sucesso. O segundo é uma multinacional presente em mais de 20 países na imprensa escrita, na rádio, na televisão e na internet, no mercado editorial e de ensino, e cujo rigor editorial não faz prever uma degradação da qualidade da oferta.

2 - Governos socialistas português e espanhol acordam compra de grupo de comunicação social português por grupo espanhol: A conhecida proximidade do grupo Prisa ao PSOE e as boas relações existentes entre dirigentes socialistas de ambos os lados da fronteira, juntamente com alguns boatos que foram surgindo na comunicação social, que valem o que valem, e com a carta de João Van Zeller, administrador demissionário do Grupo Media Capital, publicada no Expresso desta semana, fazem indiciar uma séria intromissão do poder político nos negócios privados, que, caso se comprove, pode conduzir à bipolarização política forçada da comunicação social portuguesa, à semelhança do que acontece em Espanha, com graves consequências para a dinâmica do mercado.

Falar de imprensa livre, numa perspectiva de total liberdade sem ter que responder a quaisquer pressões, é puro lirismo. As pressões sempre existiram e sempre existirão. É do equilíbrio entre as várias pressões sofridas de grupos políticos, económicos, sociais, ambientalistas, entre outros, e da capacidade de lhes resistir, cuja avaliação é feita pelos consumidores, que se faz a comunicação social. Porém, se as pressões vierem constantemente do mesmo lado, dos mesmos grupos e das mesmas pessoas, esse equilíbrio perde-se, e com ele a imparcialidade jornalística. Caímos num amostra-piloto de um regime caciquista, semelhante ao que dominou o México durante 50 anos.

Esperemos que tal não aconteça, pois o nosso mercado é demasiado pequeno para se poder dar a esses luxos.