Ideias Livres

terça-feira, junho 20, 2006

A capital de um império perdido

Aproveitando os dois feriados da passada semana, privilégio semi-exclusivo de quem trabalha em Lisboa, decidi conhecer uma das grandes capitais europeias que, até hoje, não tivera a oportunidade de visitar. Paris, a cidade-luz. Importa adiantar que, além de ter pouca paciência para a postura arrogante e intelectualmente diletante de uma dada clique francesa, musa inspiradora da periférica elite gauche lisboeta, a França tem, para mim, um forte handicap de que não padecem Londres ou Madrid. Je parle pas français. Ou melhor "parlo" assim, com frases perdidas no meio da minha ignorância, auxiliado pela remota etimologia latina de muitas palavras, por um ou outro filme francês e pela recordação de conversas roubadas a emigrantes nalguma praia portuguesa. De resto, nicles. Arranco para bonitas frases com um Bonjour, comment ça va? e paro a meio, sem saber como conjugar o verbo "querer". É bem feito por ter escolhido "Alemão" como segunda língua estrangeira. Agora nem uma nem outra. Só Guten Tag e Au revoir.

Apesar disso, tentarei fazer uma curta análise de pontos fortes e fracos da Paris que eu conheci. Cada pessoa, de acordo com as suas experiências, conhece realidades diferentes e interpreta o que vê de modo distinto. Esta é a minha Paris de Junho de 2006.

Pontos fortes:

1. Uma vida de rua superior à de Londres, com milhares de cafés e restaurantes, todos bem decorados, com restaurantes abertos até às 2 e 3 da manhã, ruas inteiras, como a Oberkampf, de bares e restaurantes, sempre com muita gente, que surge de todos os lados e das mais variadas origens.

2. Os característicos bairros, como Montmartre, o Marais e, acima de todos eles, Saint-Germain e o Quartier Latin, onde sinto que seria facilmente capaz de me encaixar.

3. As lojas/galerias dos Champs Elisées, excelentemente decoradas e onde se pode passear como se fossem museus. Que me recorde, Louis Vuitton, Nike, Lancel, Toyota, Peugeot, Renault, La Culture de la Bière, a sede da Publicis com um restaurante próprio no piso 0, blablabla.

4. Pauleta em tamanho XL na loja Nike dos Champs Elisées, Cristiano Ronaldo idem aspas na Place de la République - o ego tuga bem alto, sem qualquer razão racional.

5. Os museus. Saliento o Musée des Arts et Metiers, grande lição de conhecimento, história e ciência, onde podemos compreender muitos dos avanços tecnológicos dos últimos séculos, incluindo um fantástico pêndulo de Foucault. Imperdível.

Pontos fracos:

1. A quantidade - e qualidade - de pedintes. Não há rua ou estação de metro que não albergue um marginal com um cartaz a dizer "tenho fome" ou algo do género. Pessoas novas, com 30 ou 40 anos, aparentemente saudáveis e que parecem ter desistido (ou escolhido sair...) da sociedade de trabalho, preferindo viver antes à sua custa. Alcoólicos e toxicodependentes a grande maioria. Já Orwell passara por essa experiência, descrita em livro numa edição da Antígona, e Paris parece de facto atrair este tipo de emigrante.

2. O imperialismo evidenciado em vários monumentos, em especial o Arco do Triunfo onde se apresentam todas as grandes vitórias dos exércitos de Napoleão - incluindo a cidade do Porto e a vila beirã de Almeida, por exemplo. Não admira que Hitler tenha marchado rumo ao Arco, vingando os antepassados derrotados em vários pontos do Império Austro-Húngaro e da Prússia.

3. A má qualidade de alguns empregados de mesa e balconistas, que se comportam como se nos fizessem um favor por nos atenderem e que não fazem o mínimo esforço por nós compreender e por resolver qualquer situação de conflito. Chauvinismo ou falta de educação? Talvez um pouco de cada...

Paris é, apesar de tudo e de todos, uma fantástica cidade, bem planeada e organizada, com uma óptima rede de transportes ferroviários e onde se passam umas excelentes férias. Malgret tout...

quinta-feira, junho 08, 2006

O engomadinho

Durante meses pensou-se - e disse-se - que o pior ministro deste governo seria Freitas do Amaral. É verdade que já meteu a pata na poça umas quantas vezes, falou demais, confundiu opiniões pessoais com posições oficiais e por aí fora. Mas que consequências para o país é que isso teve? Tirando o eventual ridículo a que poderemos ter sido expostos entre algumas elites diplomáticas europeias, nenhumas. Nunca fomos muito relevantes para a ordem mundial contemporânea e não seria por ele que passaríamos a ser. As suas tropelias são inócuas. A importância do Ministro dos Negócios Estrangeiros é proporcional à importância dos negócios no estrangeiro. Olhe pelos nossos emigrantes e turistas, não lhe peço mais.
Outros apontaram o dedo - e com toda a razão - a Mário Lino, que qual lebre em corrida de meio-fundo, conseguiu acumular disparates nos primeiros meses de funções, com OTA's e TGV's em que hoje já poucos acreditam. É verdade que, a ocorrerem, serão um dos maiores erros cometidos por algum governo português. Mas são mais as dúvidas que as certezas e Mário Lino calou-se, melhorando o seu desempenho...
Porém, quem, com falinhas mansas e aspecto polido, vai somando pontos no ranking das asneiras governativas, é Manuel Pinho, aquele de quem mais se poderia esperar - tirando Campos e Cunha, lembram-se? A soberba é a pior característica de um político. Ela indicia um espírito autocrático, a crença na infalibilidade das suas ideias e no brilhantismo das suas decisões. Óptimo num ditador facínora, péssimo num ministro de um regime democrático. O facto de ser oriundo da iniciativa privada, visto por alguns - e também por mim - como uma eventual vantagem, revelou-se contraproducente ou, no mínimo, irrelevante. Os últimos seis meses têm sido um acumular de propaganda de Estado, tendo o governo chegado ao ridículo de se transformar em porta-voz do investimento, seja ele qual for, tentando obter louros que não lhe pertencem. De cada vez que alguém se lembra de lançar alguma coisa em terras lusas, lá está o nosso Pinho, coadjuvado por Basílio Horta, a assinar umas folhinhas, ao estilo "apresentação de jogador de futebol à chegada à Portela". Só falta obrigá-lo a vestir uma camisola da selecção nacional... Depois, quando as coisas correm mal, mantêm a técnica populista dos dirigentes de futebol, acusando a outra parte de má fé e afirmando, em alto e bom som, que não estão ali ao serviço de ninguém senão dos portugueses. Foi assim com Patrick Monteiro de Barros, será assim com todos os que não sirvam os seus interesses. Numa palavra, demagogia.
Este discurso cai, porém, pela base quando os mesmos portugueses que ele diz defender correm o risco de ser os principais prejudicados pela sua última decisão, de aprovar a compra de parte da Auto-Estradas do Atlântico pela Brisa, em nome da patética estratégia dos “campeões nacionais”. Temos um ministro que se esquece que o verdadeiro campeão nacional é o português que, ganhando miseravelmente para o standard europeu, se vê confrontado com produtos que custam o mesmo ou mais que na restante UE, que paga mais 4% de IVA que os seus vizinhos espanhóis, tem os carros mais caros da Europa e perde qualidade de vida de ano para ano, à custa de um Estado esbanjador que não há meio de mirrar. Ou o empresário que, contra tudo e todos, consegue criar uma empresa de raiz sem apoios do Estado nem qualquer tipo de subsidiação ou “lobby” político, oferecendo um serviço que consegue reduzir custos aos clientes.
Os campeões não se criam à custa do mercado e dos cidadãos, são livremente criados por eles. O português médio não quer saber se a Brisa é um sucesso e faz bem, pois nunca ganhará nada com isso. O que ele quer é pagar menos - nas auto-estradas, nas comunicações, na electricidade - e ganhar mais e isso faz-se com um mercado aberto e competitivo, que não tem de passar por “campeões nacionais” nem ministros da Economia assoberbados.