Ideias Livres

quarta-feira, julho 27, 2005

A Eternização de um Erro

O Ministério da Educação está em vias de propor legislação que proibirá que os professores cobrem pelas explicações prestadas a alunos das suas turmas, da escola ou escolas onde dão aulas ou do respectivo agrupamento escolar.

Os sindicatos dos professores, claro está, concordam com a medida. Ela permitirá, segundo eles, criar vagas para muitos professores que estão desempregados. Além de acabar com a maldita raça dos professores milionários - que o são em virtude de trabalharem 60 horas por semana em vez das 30 do costume...

Por experiência própria posso-vos dizer que, se não tivesse tido explicações no meu 12º ano, provavelmente não teria conseguido entrar no Técnico, tendo ido para uma universidade privada ou para fora de Lisboa, com custos muito mais elevados para os meus pais.
Digo-vos ainda que tive explicações a Química, com uma ex-professora minha e a Matemática com uma outra professora do meu liceu. De acordo com as futuras regras, nenhuma delas me poderia dar explicações. Eu ter-me-ia visto impedido de aprender mais do que o mínimo ensinado nas escolas.

O grau de pormenor do ensino dado nas escolas depende da qualidade média das turmas e, numa turma que apresente alguns alunos com mais dificuldades, é sobre eles que se vira a atenção dos professores, homogeneizando por baixo o conhecimento dos alunos. Aqueles que pretendam um grau de conhecimento elevado, têm muitas vezes de recorrer a ensino dedicado, extra-escolar, ao domicílio.

As principais consequências desta medida poderão ser:

1. Diminuição do desemprego entre os professores, que conduzirá a uma nova procura de cursos conducentes a essa carreira, a qual provocará a eternização do excesso de docentes no mercado, com o custo inerente para o erário público.

2. Aumento das explicações "clandestinas", sem recibo e sem o respectivo pagamento fiscal, com diminuição de receitas para o Estado, feitas tanto por professores contratados que não pretendem perder o seu vínculo como por professores sem vínculo que não pretendem perder o subsídio de desemprego.

3. Maiores dificuldades criadas aos estudantes que pretendam sobressair da mediania/mediocridade nacional, sem que sejam jovens sobredotados.

4. Aumento da diferença de qualidade entre o ensino privado, onde os professores acompanham os alunos fora das aulas, tirando-lhes dúvidas, e o ensino público, com óbvio prejuízo para a classes média e baixa.

5. Criação de grandes empresas de explicações que distribuirão os alunos por professores que aos olhos da lei não tenham conflitos de interesses.

Tirando esta última consequência, que poderá catalisar uma maior maturidade do negócio das explicações, mas que duvido que tenha estado nas cogitações da ministra, todas as outras contribuem para a degradação do sistema de ensino público. À medida que os intervenientes tentarem esgueirar-se pelos meandros das novas regras, o ministério acrescentará mais normas de fiscalização e novas proibições, associadas a regimes de excepção pouco claros, com mais custos para o cidadão.

Agora começamos a perceber como é que José Sócrates pensa criar 300 000 novos empregos...

2 Comments:

  • Normalmente acho os blogs uma seca e para ter conversas de café prefiro tê-las mesmo na esplanada. Mas como não nos encontramos frequentemente no café... comento esta entrada no blog, até porque por acaso entendi esta medida do governo!
    É vergonhoso o que leva muitos pais a colocar os seus filhos em explicações, em Torres Vedras (onde frequentei a escola até ao 12.º) pareceu-me evidente que em muitos casos era por indicação do próprio professor, que indica o seu colega do grupo da escola e o pior é que costuma ser reciproco. É no mínimo suspeito!
    Tomando como generalizado esta prática, esta medida vem tentar combatê-la. Onde poderá haver consequências negativas sem resposta na lei e que de facto prejudicam estudantes, não será certamente no teu meio de grande cidade onde haverá sempre alternativa, mas nos meios muito pequenos que talvez nem tenham mais nenhuma escola por perto e por consequência talvez não exista alternativa para os alunos com reais dificuldades que necessitem mesmo de explicações.

    By Blogger Pedro Correia Sardinha, at 10:36 da tarde  

  • Pois eu julgo que nas zonas onde não existe mais de uma escola é onde esta medida se fará mais sentir, pela negativa. Numa terra pequena, onde apenas existe uma escola secundária, e sendo proibido ter explicações com professores da mesma escola, os alunos deixam de ter qualquer alternativa de aprendizagem num raio de quilómetros, podendo o desnível face aos grandes centros urbanos aumentar.

    By Blogger Diogo Almeida, at 12:20 da manhã  

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