Ideias Livres

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Os ricos que paguem a crise

Há que tirar o chapéu ao Ministro das Finanças. E bater palmas logo de seguida. A medida anunciada na semana passada de alteração das taxas de retenção na fonte é um truque mirabolante para tentar compensar as pessoas - as menos remuneradas e não todas, como parecia a quem ouvisse muita da nossa comunicação social... - pelo miserável desempenho da nossa economia e pelo continuado apertar do cinto, apesar das declarações fantasiosas do nosso Ministro da Economia que, com a sua voz monocórdica e angelical, de estilo Xanax, tenta hibernar as preocupações dos portugueses enquanto não chega a Primavera - não a verdadeira mas a do crescimento irlandês. Parece que, com estas novas taxas, alguns portugueses não vão emprestar tanto dinheiro ao Estado. Sim, porque é isso que todos fazemos quando permitimos que este nos retire à cabeça bem mais do que aquilo que lhe seria teoricamente devido, para apenas nos devolver um ano depois. Doze meses. Trezentos e sessenta e cinco dias. Limpinho, sem juros e sem espinhas. Como se não bastasse a forma discricionária e pouco transparente como muitas vezes o gasta. E chamam a isto liberdade.
Infelizmente, os nossos concidadãos estão tão mal habituados que nem sequer questionam tudo isto. Provavelmente são já efeitos do Pinho a falar de mansinho.

Mas, a acrescentar a isto, que por si só já é um atentado aos nossos direitos, só permitido por ser feito pelo Estado, monopolista da extorsão legal - temos ainda a implementação temporária de uma segunda taxa progressiva de IRS. Assim, e até ao Verão de 2007, todos aqueles que tenham vencimentos superiores a cerca de 2000 euros brutos por mês, o que não faz deles multimilionários, passarão a emprestar um pouco mais do seu dinheiro ao Estado a taxa zero, perdendo claramente poder de compra. Estamos na presença de uma espécie de Empréstimo Obrigacionista à força e sem retorno. Quanto mais ganhas, mais dás. E não pias porque, como és rico, ninguém te protege. Faz-te falta? Tira os miúdos do colégio, muda-te para uma casa mais pequena, não vás comer a sítios tão bons. Os ricos que paguem a crise.

Democracia sem liberdade é como um carro sem motor. É excelente para mostrar a quem passa, mas não nos tira do buraco onde estamos.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

O voto dourado

A organização das empresas reflecte com naturalidade, visto ser componente desta, a organização das sociedades. Pequenas organizações empresariais têm estruturas governativas semelhantes às de famílias ou de pequenas comunidades, grandes empresas organizam-se como grandes comunidades - cidades, regiões, estados. Se equipararmos as unidades de capital social (ou acções) a indivíduos, as empresas são governadas num regime democrático de proporcionalidade directa, em que a percentagem de capital é directamente proporcional, na medida do possível, à representação nos órgãos executivos da empresa. Assim é natural que, se alguém detiver 30% do capital de uma dada sociedade, tenha direito a eleger cerca de 30% dos administradores dessa sociedade. Existem muitas variações a esta regra-base, mas que costumam manter sempre a proporcionalidade relativa à propriedade da sociedade.

Esta é a prática comum entre cidadãos livres e independentes, iguais entre si. Infelizmente, o Estado decidiu entrar no(s) mercado(s), criando o chamado capitalismo de Estado, um perigoso enviesamento do capitalismo, em que os jogadores não podem, ao mesmo tempo, ser árbitros ou criar regras à medida das suas preferências. Uma das aberrações conceptuais criadas pelos Estados foi a da chamada "golden share", um truque legal que permite a um accionista especial - adivinhem qual... - desfazer-se de uma grande percentagem do capital de uma empresa (que, muitas vezes, ele próprio havia nacionalizado anos antes), encher os cofres de dinheiro para pagar o crónico défice público e manter uma quantidade simbólica de acções que lhe dão direitos especiais na governação das empresas.

Até ao século XVIII, a própria governação das sociedades era feita de forma semelhante. A isso chamou-se, com o passar do tempo, feudalismo ou absolutismo, conforme a modalidade aplicada, e foi sendo substituída, normalmente pela força, pela Europa fora, por sistemas de governação mais democráticos. Parece, no entanto, que boa parte do poder político conduz a sua conduta mais pelo pragmatismo cego que tudo aceita do que pela verticalidade ideológica, clamando pelos direitos e liberdades dos cidadãos por um lado e defendendo sistemas de governo de sociedades não-representativos.

As "golden share" - ou outros truques que visem desvirtuar a proporcionalidade na representação dos membros de uma sociedade no seu governo - são um atentado à liberdade dos membros prejudicados - quase sempre 100% dos accionistas - e à credibilidade dos mercados, que se querem transparentes e com regras universais e bem conhecidas por todos e devem desaparecer do enquadramento legal português - mas não da nossa memória...

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Olhos bem abertos

Enquanto continuo a inserir numa base de dados todos os meus livros, deparei com uma das últimas obras do sociólogo best-seller italiano Francesco Alberoni, "A Esperança", de 2000, um conjunto de artigos sobre o mundo, as suas dificuldades e problemas e algumas das formas que ele considera mais adequadas para os enfrentar.
No último parágrafo do artigo intitulado "O despertar religioso e as suas sombras", Alberoni acaba por fazer a melhor análise de que me lembro sobre a relação do mundo islâmico com as outras civilizações:

"A Europa levou séculos para se libertar dos fanatismos e das guerras religiosas, para descobrir a tolerância e a liberdade. O Oriente budista sustentou durante milhares de anos a sua tolerância. Hoje, todos devem ter a coragem de defender estes príncipios e de os fazer afirmar no mundo. Não nos podemos dar ao luxo de ceder às teorias multiculturais, segundo as quais todas as culturas têm o mesmo valor. Saímos há pouco tempo da barbárie e podemos tornar a cair nela por causa da nossa fraqueza. E hoje, o poder da ciência e da tecnologia é de tal ordem que um erro pode produzir consequências irreparáveis."

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Inegável


Excelente este cartoon de Cox&Forkum, mais um de muitos que se encontram disponíveis, por exemplo, no Libertad Digital.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Os fantasmas da esquerda europeia

Durante a Guerra Fria, os grupos marxistas europeus desenvolveram uma ligação de interesses com vários movimentos independentistas árabes, em especial palestinianos, que visava um inimigo comum, os Estados Unidos, pátria do imperialismo capitalista para uns, superpotência aliada do invasor israelita, para outros. Para a esquerda europeia, que nunca olhou com simpatia para o aliado atlântico, estes movimentos rebeldes representavam uma oportunidade de enfraquecimento dos EUA, cujas empresas tinham forte participação na exploração de petróleo do Médio Oriente. Dada a realidade de Guerra Fria que se vivia, tal seria uma vitória para Moscovo e para o alargar da sua influência na região.

Assim se compreende que as mais altas figuras da elite palestiniana estivessem sob protecção soviética - como espelha o mais recente filme de Spielberg, "Munique". Para os russos, a desestabilização dos regimes seculares autoritários do Médio Oriente, próximos dos americanos, fazia parte de uma estratégia global de bipolarização, que os americanos também compreendiam.
A batalha do Médio Oriente, travada ao longo da década de 70, foi à primeira vista uma vitória para os soviéticos. A grande maioria dos países produtores de petróleo levaram a cabo a nacionalização da indústria petrolífera, que se encontrava nas mãos de companhias privadas ocidentais e, no Irão, o xá da Pérsia foi destronado por uma revolução fortemente apoiada pelo partido comunista iraniano, estrategicamente aliado aos movimentos islâmicos liderados por Khomeini, que levou o petróleo a recordes históricos e provocou uma forte recessão na economia ocidental.

Este anti-americanismo da elite gauche, representada por intelectuais como Sartre, Althusser ou Marcuse, entre muitos outros, transformou-se assim em anti-semitismo, pró-arabismo e pró-islamismo, num caldeirão confuso de ideias de difícil controlo.

Com o fim da Guerra Fria e a queda do regime soviético, os descendentes intelectuais dessa esquerda, parte constituinte do mainstream da elite académica da Europa Ocidental, canalizaram o seu repúdio pelo capitalismo para o Médio Oriente, único ponto do globo onde se mantinha forte a oposição aos interesses americanos. Ao fazê-lo, fecharam os olhos à ascensão do movimento fundamentalista islâmico, seguindo apenas a máxima "inimigo do meu inimigo meu amigo é" e esquecendo os potenciais ensinamentos da revolução islâmica no Irão.

Com esta atitude, acabaram a nutrir simpatia por movimentos que defendem sociedades diametralmente opostas das sociedades tolerantes que dizem defender e, enquanto internamente defendem a emancipação da mulher e os direitos das minorias sexuais e étnicas, no plano internacional esquecem estes direitos, que deveriam ser inalienáveis e universais, apoiando grupos terroristas que tudo farão para levar toda a região de volta para a Idade Média.

Porém, e como este jogo tem riscos vários, a esquerda europeia tem vindo a ser empurrada para uma encruzilhada, em que a política interna e externa se misturam e conflictem, como é o recente caso das caricaturas de Maomé, publicadas inicialmente por um jornal dinamarquês. A liberdade de expressão, tema tão caro - e bem - para a esquerda, é posto em causa de modo brutal pela maralha que eles tantas vezes perdoam. O fanatismo religioso decidiu desta vez atirar-se a países vistos como exemplares e não ao tio Sam. Atacou a liberdade de expressão e não o "imperialismo económico". Queimou embaixadas escandinavas e não consulados americanos. E agora, camaradas? Já sabem com quem têm andado a dormir?

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Freakonomics #1

"Freakonomics", o polémico livro de Steven Leavitt, o jovem economista americano conhecido pelas suas análises descomplexadas e pela criatividade do seu raciocínio, aliada à compreensão dos mecanismos de incentivos que afectam não só os agentes económicos mas todos os agentes sociais, está no primeiro lugar do top de vendas nacional.

As pessoas têm destas coisas. Surpreendem-nos. Saltam do "Harry Potter" para o "Medo de Existir", de José Gil, do Dan Brown e da Margarida Rebelo Pinto para a análise socio-económica "out-of-the-box".

Eventualmente muitos dos leitores terão comprado "Freakonomics" mais pelo "Freak" do que pelo "Economics". Who cares? O livro lê-se de um fôlego, é didáctico e ajuda a compreender os tais incentivos, as "cenourinhas" da vida, pelas quais nos mexemos de um lado para o outro e que explicam as nossas acções e inacções. O ser editado em português é, por si, uma boa notícia. Ser #1 dos tops é um feito. Muitas das pessoas que lerem o livro julgarão não ter aprendido muito com ele, encarando-o como um conjunto de histórias interessantes. Mas inconscientemente terão aprendido algo de novo. Outras compreenderão um pouco do fio lógico que as une, o código por trás da realidade, e passarão a ver as decisões do seu dia a dia de outra forma e, acima de tudo, as decisões dessa amálgama de peças únicas a que chamamos sociedade.

Para um liberal estas são excelentes notícias. Uma sociedade liberal só se pode desenvolver correctamente com agentes inteligentes e livres, que compreendam o melhor possível a sua envolvente para melhor agir. Iniciativas que aumentem a compreensão da sociedade e que desmistifiquem áreas do conhecimento são contributos significativos para que nos aproximemos dela.