Os fantasmas da esquerda europeia
Durante a Guerra Fria, os grupos marxistas europeus desenvolveram uma ligação de interesses com vários movimentos independentistas árabes, em especial palestinianos, que visava um inimigo comum, os Estados Unidos, pátria do imperialismo capitalista para uns, superpotência aliada do invasor israelita, para outros. Para a esquerda europeia, que nunca olhou com simpatia para o aliado atlântico, estes movimentos rebeldes representavam uma oportunidade de enfraquecimento dos EUA, cujas empresas tinham forte participação na exploração de petróleo do Médio Oriente. Dada a realidade de Guerra Fria que se vivia, tal seria uma vitória para Moscovo e para o alargar da sua influência na região.
Assim se compreende que as mais altas figuras da elite palestiniana estivessem sob protecção soviética - como espelha o mais recente filme de Spielberg, "Munique". Para os russos, a desestabilização dos regimes seculares autoritários do Médio Oriente, próximos dos americanos, fazia parte de uma estratégia global de bipolarização, que os americanos também compreendiam.
A batalha do Médio Oriente, travada ao longo da década de 70, foi à primeira vista uma vitória para os soviéticos. A grande maioria dos países produtores de petróleo levaram a cabo a nacionalização da indústria petrolífera, que se encontrava nas mãos de companhias privadas ocidentais e, no Irão, o xá da Pérsia foi destronado por uma revolução fortemente apoiada pelo partido comunista iraniano, estrategicamente aliado aos movimentos islâmicos liderados por Khomeini, que levou o petróleo a recordes históricos e provocou uma forte recessão na economia ocidental.
Este anti-americanismo da elite gauche, representada por intelectuais como Sartre, Althusser ou Marcuse, entre muitos outros, transformou-se assim em anti-semitismo, pró-arabismo e pró-islamismo, num caldeirão confuso de ideias de difícil controlo.
Com o fim da Guerra Fria e a queda do regime soviético, os descendentes intelectuais dessa esquerda, parte constituinte do mainstream da elite académica da Europa Ocidental, canalizaram o seu repúdio pelo capitalismo para o Médio Oriente, único ponto do globo onde se mantinha forte a oposição aos interesses americanos. Ao fazê-lo, fecharam os olhos à ascensão do movimento fundamentalista islâmico, seguindo apenas a máxima "inimigo do meu inimigo meu amigo é" e esquecendo os potenciais ensinamentos da revolução islâmica no Irão.
Com esta atitude, acabaram a nutrir simpatia por movimentos que defendem sociedades diametralmente opostas das sociedades tolerantes que dizem defender e, enquanto internamente defendem a emancipação da mulher e os direitos das minorias sexuais e étnicas, no plano internacional esquecem estes direitos, que deveriam ser inalienáveis e universais, apoiando grupos terroristas que tudo farão para levar toda a região de volta para a Idade Média.
Porém, e como este jogo tem riscos vários, a esquerda europeia tem vindo a ser empurrada para uma encruzilhada, em que a política interna e externa se misturam e conflictem, como é o recente caso das caricaturas de Maomé, publicadas inicialmente por um jornal dinamarquês. A liberdade de expressão, tema tão caro - e bem - para a esquerda, é posto em causa de modo brutal pela maralha que eles tantas vezes perdoam. O fanatismo religioso decidiu desta vez atirar-se a países vistos como exemplares e não ao tio Sam. Atacou a liberdade de expressão e não o "imperialismo económico". Queimou embaixadas escandinavas e não consulados americanos. E agora, camaradas? Já sabem com quem têm andado a dormir?
Assim se compreende que as mais altas figuras da elite palestiniana estivessem sob protecção soviética - como espelha o mais recente filme de Spielberg, "Munique". Para os russos, a desestabilização dos regimes seculares autoritários do Médio Oriente, próximos dos americanos, fazia parte de uma estratégia global de bipolarização, que os americanos também compreendiam.
A batalha do Médio Oriente, travada ao longo da década de 70, foi à primeira vista uma vitória para os soviéticos. A grande maioria dos países produtores de petróleo levaram a cabo a nacionalização da indústria petrolífera, que se encontrava nas mãos de companhias privadas ocidentais e, no Irão, o xá da Pérsia foi destronado por uma revolução fortemente apoiada pelo partido comunista iraniano, estrategicamente aliado aos movimentos islâmicos liderados por Khomeini, que levou o petróleo a recordes históricos e provocou uma forte recessão na economia ocidental.
Este anti-americanismo da elite gauche, representada por intelectuais como Sartre, Althusser ou Marcuse, entre muitos outros, transformou-se assim em anti-semitismo, pró-arabismo e pró-islamismo, num caldeirão confuso de ideias de difícil controlo.
Com o fim da Guerra Fria e a queda do regime soviético, os descendentes intelectuais dessa esquerda, parte constituinte do mainstream da elite académica da Europa Ocidental, canalizaram o seu repúdio pelo capitalismo para o Médio Oriente, único ponto do globo onde se mantinha forte a oposição aos interesses americanos. Ao fazê-lo, fecharam os olhos à ascensão do movimento fundamentalista islâmico, seguindo apenas a máxima "inimigo do meu inimigo meu amigo é" e esquecendo os potenciais ensinamentos da revolução islâmica no Irão.
Com esta atitude, acabaram a nutrir simpatia por movimentos que defendem sociedades diametralmente opostas das sociedades tolerantes que dizem defender e, enquanto internamente defendem a emancipação da mulher e os direitos das minorias sexuais e étnicas, no plano internacional esquecem estes direitos, que deveriam ser inalienáveis e universais, apoiando grupos terroristas que tudo farão para levar toda a região de volta para a Idade Média.
Porém, e como este jogo tem riscos vários, a esquerda europeia tem vindo a ser empurrada para uma encruzilhada, em que a política interna e externa se misturam e conflictem, como é o recente caso das caricaturas de Maomé, publicadas inicialmente por um jornal dinamarquês. A liberdade de expressão, tema tão caro - e bem - para a esquerda, é posto em causa de modo brutal pela maralha que eles tantas vezes perdoam. O fanatismo religioso decidiu desta vez atirar-se a países vistos como exemplares e não ao tio Sam. Atacou a liberdade de expressão e não o "imperialismo económico". Queimou embaixadas escandinavas e não consulados americanos. E agora, camaradas? Já sabem com quem têm andado a dormir?
4 Comments:
Uma das análises mais lúcidas e "straight to the point" que tenho lido sobre este tema. Parabéns!
By Anónimo, at 12:42 da tarde
Ó amigo, mas há uma coisita que me deixa algo cogitativa... E então, o apoio do Tio Sam a uma série de figuras pardas do radicalismo islâmico fica onde neste discurso?
Abelha
By Anónimo, at 1:18 da tarde
Interessante, parabéns pelo blog relevante.
Abraços
By Anónimo, at 2:36 da tarde
Cara Abelha, não me lembro de alguma vez ter visto uma lista de figuras pardas do radicalismo islâmico apoiadas pelo Tio Sam. A maior de todas elas foi, até hoje, o Ayatollah Khomeiny, cujo ódio pelos americanos era de todos conhecido.
Não quero com isto dizer que tal não possa ter ocorrido, circunstancialmente, no âmbito do combate à invasão soviética do Afeganistão, já durante a década de 80. Diz-se que o baptismo de fogo de muitos dos actuais terroristas islâmicos ter-se-á dado nessa altura. Mas a diplomacia americana soube compreender o fenómeno e combatê-lo - bem ou mal, o futuro o dirá. Outros nada fizeram senão fechar os olhos.
By Diogo Almeida, at 2:43 da tarde
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