Ideias Livres

terça-feira, janeiro 17, 2006

O mundo irónico em que vivemos

Anteontem, na entrada da A3, direcção Porto-Braga, um camião de transporte de suínos com cerca de 200 animais tombou, provocando a morte de cerca de 30 porcos. Os restantes safaram-se como puderam, dispersando pela auto-estrada. A Sic Notícias usou como parangona para o ocorrido "30 porcos morrem em despiste na A3" ou algo do género.

Entrevistado pelo jornalista da SIC quanto ao estado dos restantes animais, o suinicultor proprietário dos animais e do veículo disse, com enorme profissionalismo: "Bom, recolhemos os animais, eles vão ser examinados e, caso estejam bem, serão conduzidos ao matadouro..."

Quais os direitos dos animais? Em que nos devemos basear para os definir? Qual deve ser a posição de um liberal relativamente a esta matéria? Se, por um lado, a tendência vai no sentido de uma maior sensibilidade em relação ao sofrimento dos animais - essencialmente, como reacção egoísta contra o nosso próprio sofrimento - por outro existe um claro conflito de interesses entre a vida de muitos animais e a nossa dieta alimentar. Será que a nossa dieta alimentar poderá, algum dia, dispensar a ingestão de carne? Devem os animais ter direitos que se assemelhem aos dos seres humanos, à semelhança do que sucede, por exemplo, com os indivíduos com deficiências mentais profundas? Confesso que não tenho grandes respostas para estas questões e não sei se algum dia terei. Temos relações muito distintas com outras espécies. Um cão não é visto da mesma forma que um rato, por exemplo. Tal faz pressupor que decisões que tomemos nesta matéria tenderão a fazer reflectir a proximidade afectiva que tivermos às espécies em questão. Espero voltar a este tema no futuro.

1 Comments:

  • Tema muitíssimo interessante!

    Vou dar a minha achega:

    Acho que esta problemática tem mais a ver com o Homem urbano que com o Homem rural, que lida com a situação todos os dias e cresce habituado a matanças. Para o homem rural não há nada de cruel em segurar uma galinha, cortar-lhe o pescoço, segurá-la bem para não estrebuchar muito, esperar que o sangue pare de correr, pô-la numa panela com água a ferver, depená-la e esventrá-la para ser comida ou vendida. Eu tive a sorte de conhecer esta realidade: antes dos 6 anos já tinha assistido à matança do porco, do cabrito e das galinhas ainda que à distância (sim eu era/sou um menino de cidade apesar de tudo). Mas a grande maioria das pessoas cresidas em meios urbanos não estão habituadas a lidar com isto. Esta realidade ficou confinada às áreas rurais (que abastecem as cidades).

    No mundo rural a morte dos animais está muito associada à noção de sobrevivência. O sofrimento que lhes é inflingido é-o na medida do necessário (não se brinca com a comida...).

    O homem urbano tende a achar todos estes métodos como bárbaros, desnecessários e pouco higiéncios. Terá razão em parte. Mas duvido que o cuidado/dedicação/atenção com os animais numa moderna e higiénica exploração pecuária seja superior ao de uma quinta clássica em que os animais vivem, não vegetam.

    O Homem urbano tende por vezes a humanizar os animais e a berstializar os homens (seus semelhantes). Revolta-se quando os animais são tratados de forma "desumana". Desumana?!??! Mas eles não são humanos... Tende-se a transportar sentimentos humanos para os animais. Daí não vem mal nenhum. O que me perocupa é que vemos muita gente preocupada com a defesa dos direitos dos animais mas depois toma posições que demonstram pouco respeito com a vida humana - dá-se uma quase inversão da mentalidade do homem rural.

    A minha opinião: o Homem é um animal que possui uma forte capacidade de interfereir no meio ambiente por forma a afastar tudo o que ameace a sua sobrevivência (não somos os únicos) e a conseguir condições de conforto (aqui acho que somos os únicos). Tendemos a tranformar o meio ambiente de modo a que nos "sirva". Como nem sempre conseguimos pensar a longo prazo esquemos que precisamos dos recursos naturais para viver. Daí que a nossa convivência com o ambiente tem tido aspectos cada vez mais destrutivos esquecendo que somos os maiores interessados na prevalência do meio ambiente e dos recursos naturais. A harmonia com o meio ambiente é essencial ao homem. Numa prespectiva liberal, só quando o homem interiorizar estes problemas será capaz de inverter essa tendência e é algo que já vai acontecendo hoje em dia. Nesta perspectiva, também a convivência com os animais deverá passar pela procura de uma maior harmonia. Todo o sofrimento que possa ser evitado deverá sê-lo mas sempre dentro de uma lógica de procura de harmonia com o meio. Da mesma forma que discordo que o gado deva ser tratado como um fardo de palha, também não concordo com a manutenção de animais em apartamentos de cidade. Um animal que viva em espaços abertos é certamente mais "feliz" (lá estou eu com a humanização) pois foi nessa condição que sempre viveu e é a essas circunstâncias que está adaptado.

    Resumindo, não vejo nenhum mal em preocuparmo-nos com o sofrimento dos animais desde que não percamos a noção de que a vida humana tem uma importância superior e deve ser prioritária.


    Creio que este tema e o relacionamento do Homem com a morte (o homem urbano) são das discussões mais interessantes e ao mesmo tempo ignoradas no debate público tão embrenhado em politiquices.

    Felicitações e abraços

    Nuno

    By Anonymous Anónimo, at 9:47 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home