Ideias Livres

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Má moeda

Manuel Alegre demonstrou, com a sua ausência à votação do orçamento, os perigos inerentes a fazer-se política ao sabor das emoções e é a melhor arma de arremesso contra o conceito de serviço público que ele tanto se honra de defender. A sua atitude é a prova de que a política não se faz à custa da nobreza individual de uma elite a que Alegre se orgulha de pertencer - que, mediante interpretações casuísticas, define arbitrariamente a sua verticalidade - mas com base em regras rigorosas e bem definidas, que forcem o respeito dos representantes pelos seus eleitores.

Alegre foi eleito por milhares de habitantes no distrito de Coimbra que votaram no Partido Socialista. E é pago por todos nós, todos os meses, para desempenhar as funções de deputado - e não de candidato a Presidente da República. Os seus argumentos demonstraram uma total promiscuidade entre o cargo de deputado e a sua pessoa, como se sê-lo fosse já um direito adquirido.

Julgo que é a isto que Mário Soares se refere quando fala de políticos profissionais e é isso que distingue os dois socialistas de Cavaco Silva. Este nunca se apessoou do cargo de primeiro-ministro e nunca em dez anos de exercício teve tiques caudilhistas como o de Soares para com aquele polícia num célebre episódio da série Presidência Aberta ("Ó homem, desapareça!", para quem não se lembra).

Cavaco Silva é o exemplo vivo do que se deseja numa democracia moderna, em que qualquer um, desde que com capacidades acima da média, pode almejar a uma posição de relevo na sociedade. Alegre e Soares acham-se descendentes de uma velha aristocracia lusitana - que, por sinal, conduziu o país de volta para o terceiro mundo - e julgam que têm direitos adquiridos por esse facto. Vivem sob a máxima les uns et les autres. Gostam de se sentir defensores dos oprimidos, mas longe deles saber o que isso é.

Nesta perspectiva, Cavaco é muito mais progressista e é esse o seu grande trunfo. Os portugueses revêm-se nele, orgulham-se dele como se fosse um sobrinho fora de série que, a pulso, conseguira singrar mas mantivera orgulho nas suas origens. Alegre e Soares não, pertencem a uma pretensa nobreza que presume ter direitos adquiridos. Por mais que Alegre se queira distinguir de Soares, eles são iguais, tiveram apenas percursos diferentes. A sociedade que defendem é a mesma, as propostas são muito semelhantes e só uma questão pessoal levou a que existissem duas candidaturas. Alegre baldou-se à votação do orçamento com a mesma facilidade com que Soares infringiu a lei ao apelar ao voto no filho no dia das eleições. São duas faces da mesma moeda. Será esta, também, parte da má moeda a que se referiu Cavaco Silva o ano passado?