Ideias Livres

segunda-feira, outubro 24, 2005

Evolucionismo ideológico, um mito?

Vi ontem, pela primeira vez, o filme A Queda, que retrata os últimos dias da vida de Adolf Hitler, da sua entourage e de todo o regime nacional-socialista. É um filme marcante pelo seu realismo e que fazia falta por conseguir dar corpo e alma a personagens obscuros como Göebbels, Himmel, Eva Braun e o próprio Hitler.

A humanização destas figuras é de enorme importância para o julgamento cabal do nacional-socialismo. Um dos erros cometidos por quem tem tido como função explicar às novas gerações esse período conturbado e recente da História da Humanidade é o de descrever todo o universo nazi como fantástico, isto é, fora da realidade. Esse facto faz com que se considere que a sua repetição é impossível por ter ocorrido fora do nosso mundo. Não queremos acreditar que foram pessoas iguais a nós que cometeram crimes tão hediondos. Assim, desenvolvemos uma leitura que nos permite concluir que todo a realidade nazi se encontra fora da história. Não o período em causa, mas o imaginário nazi. Talvez tenham sido os próprios alemães a procurarem tal escape, para conseguirem viver em paz com a sua história. O nazismo existiu mas não no nosso mundo.

O mesmo poderia ter sucedido com o comunismo. Porém, este saiu vitorioso da II Guerra Mundial, o que lhe permitiu ganhar ascendente psicológico sobre as restantes nações aliadas. Tal como muitos apoiantes da ideologia fascista não acreditavam nas atrocidades cometidas pelo regime nazi, também os comunistas não acreditavam no que se dizia sobre os campos de concentração soviéticos e sobre a opressão do regime. Quanto a isso não existe diferença. A grande diferença na comparação entre ambas as ideologias deve-se à estigmatização a que o ideário nazi foi votado pela propaganda aliada, que o comunismo nunca sofreu - pelo contrário, havia um pacto de silêncio em virtude da aliança estratégica da guerra.

Como disse anteriormente, a ideologia fascista repugna-me tanto como a comunista. Considero a primeira menos utópica mas também menos encantadora, apesar de existirem inúmeros pontos de semelhança entre elas, a começar pelo seu inimigo comum, a democracia liberal. Felizmente para todos nós, quis a luta de milhões e o trabalho de um punhado de grandes líderes que a democracia liberal saísse vencedora do confronto com as duas frentes totalitárias do século XX.

Um socio-darwinista considerará que a supremacia da democracia liberal se deve à sua superioridade ideológica, pela liberdade que coloca nas mãos dos indivíduos, como uma prova de evolucionismo ideológico que nos conduziu ao patamar em que nos encontramos. Porém, o século XIX provou-nos como se pode facilmente deitar fora o bebé juntamente com a água do banho e um período de desenvolvimento e prosperidade deu lugar a disputas entre nações, constantes tensões e a uma xenofobia crescente, aliada a uma revolta contra as classes privilegiadas ainda dominantes. Deste caldo nasceram o nacional- e o internacional-socialismos, que dominaram ideologicamente boa parte do século XX.

Já se perdeu a conta às vezes em que Esparta venceu Atenas. E nem sempre foi no campo de batalha.