Ideias Livres

terça-feira, outubro 18, 2005

Aprender com o Tour

Nunca fui um grande adepto de ciclismo. Sempre me pareceu um desporto monótono, sem magia nem chama, e nem o esforço exigido eu lhe reconhecia.

Porém, uma análise mais cuidada ao que este deporto envolve, na sua vertente de estrada, conhecida do grande público através das grandes provas velocipédicas como a Volta a França, tem-me levado a olhar para ele com outros olhos, tentando compreender algumas das movimentações que vão sucedendo ao longo de uma prova destas e dentro de cada etapa, entre equipas e entre corredores. E cheguei à conclusão de que estas provas são verdadeiros modelos vivos do comportamento dos mercados, em muita da sua complexidade.

Em primeiro lugar, o elevado número de participantes permite uma análise mais representativa e um menor desvio-padrão teórico, requisito importante de qualquer modelo.
Em segundo lugar, existe não só uma interdependência entre os vários comportamentos individuais de cada amostra, como existem vários grupos de indivíduos - equipas - que se interajudam, no que se poderá considerar um género de cluster.
Todos os indivíduos têm um objectivo mais ou menos comum, mas não passa directamente pela sua vitória individual mas pela de um membro do seu cluster, na competição individual, ou pela vitória colectiva do seu grupo. Além, disso, existem ainda outras competições dentro da prova, que passam por ser melhor nas provas de montanha - comparáveis aos períodos de recessão - ou nas metas-volantes, prémio que premeia os que arriscam, os inovadores e empreendedores do pelotão, que nem sempre chegam em primeiro no final da etapa, ou seja, quando um dado mercado está já em velocidade-cruzeiro.
E é de toda esta interacção e da vontade de chegar em primeiro nalgum dos objectivos acima descritos que se faz a história destas provas, tal como a história da economia de mercado e, no fundo, de qualquer fenómeno competitivo.

Imaginemos agora que os melhores corredores lhes vissem acrescentado ao seu tempo final da etapa, em proporção do seu desempenho, algum tempo extra, que seria redistribuído pelo resto do pelotão. Assim, quem chegasse em último, não ficaria tão longe do primeiro como o seu desempenho poderia dar a entender, pois ser-lhe-iam retirados vários minutos, por uma questão de justiça social. Parece-nos óbvio que os melhores perderiam uma parte do incentivo para chegar na frente. É o que sucede com os sistemas de redistribuição de riqueza, tanto piores quanto mais progressivos forem.

Digamos ainda que todos os corredores teriam de usar bicicletas iguais, entregues pela organização. Sem razão para tentar melhorar a qualidade do equipamento, este teria um papel mais importante no resultado dos vários indivíduos do que se as várias equipas continuassem a trabalhar no sentido de diminuir o seu peso e aumentar a sua ergonomia, permitindo que a capacidade individual de cada corredor sobressaísse. No fundo, é o que se passa com o sistema educativo público que, em virtude da falta de concorrência, não sente a necessidade de melhorar, não permitindo aos vários alunos que utilizem ao máximo as suas capacidades.

Como vêm, são muitas as variações possíveis sobre este tema e várias as análises que podemos explorar. Tal como o mercado, uma prova de ciclismo não é um jogo de soma nula se analisando como objectivo a optimizar o somatório do tempo de todos os intervenientes, ou seja, o dinamismo de uma economia, que acaba por ser uma consequência lógica de um mercado competitivo. Este tem sido o grande erro de análise de todas as teorias que assentam ideologicamente na teoria marxista da luta de classes.

É irónico verificar que um evento com o qual os franceses tanto têm a aprender sobre o funcionamento dos mercados e o comportamento do Homem, que ocorre nas sua própria terra e ao qual dão tanta importância, tenha sido ganho vezes sucessivas por um... americano.