Ideias Livres

sábado, junho 11, 2005

Meditações sobre o referendo ao Tratado Constitucional

Cada vez mais considero que só havia uma maneira digna e intelectualmente honesta de aprovar o Tratado Constitucional. Num único referendo a nível europeu, com um único resultado europeu.

Qual o tipo de maioria necessária para a sua aprovação seria uma decisão a tomar a priori, mas querer uma Europa unida e tratá-la com base nas fronteiras que se pretende fazer desaparecer tem algo de errado. E opormo-nos a uma eleição solidária soa, no nosso país, a julgamento em causa própria, visto a nossa dimensão ser pouco expressiva no total dos 25 membros. Somos o que somos, valemos o que valemos. Um cidadão, um voto, esta é a minha democracia. Ou a aceitamos ou não vale a pena existir UE.

Alguns dos detractores desta alternativa consideram que, deste modo, um estado ficará para sempre preso às decisões da maioria dos europeus, perdendo a sua independência democrática. O modo de isso não acontecer seria permitindo a secessão, por referendo nacional, sendo para tal necessária a mesma maioria que a definida para as aprovações a nível europeu. Uma nação continuaria a ser soberana em relação à sua permanência na União, diminuindo a sensação de "trela" que hoje muitos europeus sentem.

Mas o que mais custa ver na discussão desta questão é o cenário de fundo em que ela ocorre. Não tenhamos muitas dúvidas de que, caso a situação económica da Europa fosse a mesma de há 10 anos, não haveria dificuldade em aprovar o Tratado Constitucional. Mas não é. A Europa - pelo menos de Berlim para cá - é hoje um continente parado no tempo, refém do seu passado, mártir de um século vinte carrasco que lhe roubou as jóias, a feriu gravemente e depois, para que não percebesse, a encheu de analgésicos, cujos efeitos começam agora a desaparecer.

O que mais choca nesta Europa é a decadência da sua economia, a rigidez das suas instituições, o egoísmo assustado dos seus habitantes. A máscara politicamente correcta caiu por falta de dinheiro e soluções. Mimados e frustrados, não passamos hoje de um continente à deriva, composto por nostálgicos e xenófobos, à esquerda e à direita, sem querermos aceitar as soluções dolorosas que se nos colocam e fazendo como era ensinado no filme Pesadelo em Elm Street para escapar das garras de Freddy Kruger - ou do tigre asiático: fechar os olhos e dizer "Tu não existes." Mesmo no filme, nem sempre resultava...

A esta velha Europa veio-se juntar agora uma nova Europa, fresca e vivaz, competitiva mas também ingénua, com - imagine-se... - taxas planas e segurança social privada, e com indíces de crescimento que fazem inveja aos velhinhos do Carvão e Aço. Esta nova Europa, dinâmica, deve ser vista como a nossa esperança e não o nosso ocaso. Mas foi esta mesma Europa que despoletou nos países mais ricos mas com mais problemas sociais por total incapacidade em gerar nova riqueza, fruto de décadas de políticas sociais e económicas erradas, um despertar doloroso e uma reacção de repúdio que culminou na vitória do Não em França e na Holanda. E por isso, custa-me congratular com esses resultados pois, apesar de não querer esta Europa, também não é isto que quero, este estranho pout-pourri de trotskistas e chauvinistas com o ideário político próprio de uma criança de 10 anos.

Por tudo isto, é fundamental que se crie um movimento de crítica ao Tratado numa perspectiva construtiva de desenvolvimento europeu e na promoção da desburocratização e da flexibilidade.