Ideias Livres

segunda-feira, julho 07, 2008

O braço armado da ignorância

Os últimos meses têm sido recheados de exemplos tristes de quais as consequências naturais da ignorância generalizada em relação à economia e ao modo como esta - que mais não é do que o somatório das escolhas dos vários agentes presentes na sociedade - funciona.

A subida do preço do petróleo e de muitas outras commodities não começou este ano. O preço do WTI e do Brent, principais referências do mercado de petróleo bruto, tem subido consistentemente desde 2002 (onde rondava os 20 $/bbl), tendo atingido os 70 $/bbl em meados de 2006. No último ano e meio, o seu preço duplicou para perto dos 140 $/bbl.

As causas para a escalada do preço de várias commodities são variadas, podendo-se destacar, por um lado, o real aumento da procura, fruto do crescimento económico vertiginoso da China, da Índia e do Sudeste asiático em geral. Por outro, no caso do petróleo bruto, 20 anos de crude barato e de petro-economias burocráticas e ineficientes, que deterioraram a indústria petrolífera, desde a exploração e produção até à refinação - onde se transforma o petróleo bruto extraído do subsolo nos produtos realmente consumidos pela economia mundial - e impediram o aumento da produção.

Se até há pouco, fora a ganância dos vários países da OPEP, que nunca conseguiram funcionar realmente como um cartel, a manter os preços baixos (ou seja, sem efeito de cartelização, os preços reflectiram o seu real valor de mercado), com a subida da procura o balanço entre a capacidade mundial e a procura foi-se estreitando. A reacção típica do mercado foi um aumento da volatilidade dos preços e a sua subida.

Enquanto isto ia acontecendo, o Fed insistia numa política de juros baixos, que promovia o aumento do endividamento das famílias, apesar do crescimento galopante da dívida externa americana. Numa economia global transparente, os próprios mecanismos de mercado teriam provocado a desvalorização gradual e imediata do dólar face às moedas dos países com quem os EUA tinham mais relações comerciais. No entanto, a China insistia em manter a sua moeda indexada ao dólar, impedindo os americanos de sentirem aos poucos a perda de poder económico e refrearem o seu consumo. Continuaram a comprar o que não sabiam ainda que não conseguiriam pagar, enquanto o governo americano rebentava com o défice, investindo biliões numa guerra quase perdida. A permanente diminuição (em parte artificial, face ao dólar) dos custos de produção, por deslocalização para o sudeste asiático, iam mantendo a inflação baixa, apesar da subida galopante dos custos energéticos.

Esta situação, que durou entre 2002 e 2006, permitiu criar alguma ilusão de crescimento económico nos mercados accionistas, pois parecia que os americanos (e, em menor escala, os europeus) tinham dinheiro para comprar os produtos dos países emergentes. Porém, o permanente aumento da procura de matérias-primas (petróleo bruto, metais, alimentos) começou a colocar pressão nos índices de preços, principal indicador de controlo dos bancos centrais europeu e americano. Assim que isso sucedeu, começou a subida das taxas de juro.

Num mercado liberalizado, transparente e sem armadilhas, esta situação deveria estar controlada pelas equipas de análise de risco das instituições financeiras. Porém, faltava uma peça fundamental neste complexo puzzle. Nos anos 70, 80 e 90, nos EUA, grupos de pressão de defesa dos direitos humanos criticaram a discriminação a que eram submetidas as minorias no momento de adquirir uma habitação, tendo forçado a aprovação de legislação que favoreceu a disseminação de crédito de elevado risco. Enquanto a economia americana se apresentou robusta, durante o boom tecnológico e a era Clinton, a caixa de Pandora manteve-se fechada. Durante os primeiros seis anos dos mandatos de Bush, pelas razões atrás apontadas, o consumo também se manteve em índices elevados. Porém, assim que os primeiros indícios de retracção económica, inflação e subidas das taxas de juro surgiram, começaram a aparecer os primeiros sinais da hoje conhecida como crise do "subprime". Dada a globalização das instituições financeiras, esta crise acaba por a todos atingir, com especial para as economias menos fortes e com dívidas externas elevadas, como a portuguesa. Por isso hoje são os bancos espanhóis ou ingleses com actividade em Portugal a oferecer as melhores condições de crédito. Eles podem.

Como podem ver, são imensos os factores que conduziram a economia mundial à crise em que se encontra, a qual nos permitirá tirar importantes conclusões e tornar-nos mais exigentes, condição sine qua non de um mercado eficiente. Porém, no meio de toda esta balbúrdia e complexa teia de influências, são os ditos "especuladores" dos mercados de commodities e em especial de petróleo bruto quem mais acossados são. De nada servem exemplos a justificar e explicar porque é que estes agentes económicos não têm responsabilidade significativa na subida dos preços energéticos. Gráficos a ilustrar como a oferta e a procura mundiais estão coladas, sem grande margem de manobra que não a da subida do preço e da diminuição do consumo.

Claro que se tivéssemos, um pouco por todo o mundo, políticos com um mínimo de formação económica, este problema não se colocaria. Infelizmente a grande maioria dos nossos deputados não compreende verdadeiramente a essência do capitalismo e a sua forma de se reinventar, se transformar de acordo com as vontades dos agentes presentes e estar em permanente processo criativo, no sentido de optimizar as relações naturais e racionais entre as partes. Não compreende, nem procura perceber, qual o papel fundamental que estes produtos financeiros têm na estabilidade e troca intertemporal de bens, que permite garantir a existência de produto transaccionável no futuro. São, em suma, o braço armado da ignorância, com poder para tomar decisões que apenas agravarão a situação em que nos encontramos. Espero estar enganado.