Ideias Livres

quarta-feira, abril 26, 2006

O Grande Desafio

Acabei de ler um livro, editado recentemente pela Bizâncio, intitulado "O Fim do Petróleo". Quando o vi nos escaparates, com a sua capa amarela forte, julguei tratar-se da tradução para português de The End of Oil, de Paul Roberts. Não é muito diferente, porém o seu título original é The Long Emergency, foi escrito por James Howard Kunstler e é bastante mais pessimista.
Enquanto Paul Roberts se limita a fazer uma análise de médio prazo avançando com alguns cenários possíveis para mantermos a civilização ocidental a andar para a frente, Kunstler explora as repercussões sociais do fim dos combustíveis fósseis, em todo o mundo e em especial nos EUA.

Kunstler havia escrito, antes deste livro, duas obras sobre os subúrbios americanos, pelos quais ele destila um ódio notório. O autor pertence àquele leque de pessoas fortemente conservadoras no sentido em que consideram que o homem deve minimizar ao máximo o seu impacto na Terra. E o American Way of Life do século XX é a antítese de tudo isso. Devemos porém saber separar o trigo do joio e analisar a informação que o autor nos apresenta. Para mim, que trabalho na área energética, muitos dos termos e conceitos são-me perfeitamente familiares e a análise de Kunstler nunca me soou a inverosímil - não sendo, no entanto, neste aspecto, muito distinta da de Paul Roberts.

O lado mais interessante da obra, porém, não é tanto a análise técnica das potencialidades das várias alternativas aos combustíveis fósseis mas a visão macroeconómica da questão energética para a Humanidade. Nesta medida, Kunstler recorda que o Homem, desde que descobriu o potencial dos combustíveis fósseis, tem vindo a utilizá-los a seu bel-prazer, de borla - face à Terra - num perigoso desequilíbrio do balanço energético da espécie. No fundo, o que Kunstler quer dizer é que queimar carvão e petróleo é como privatizar empresas públicas para pagar o défice. Resolve no momento, mas apenas adia o problema. Só o equilíbrio entre despesas e receitas é sustentável. Ora, para o Homem (e qualquer outra espécie) a única receita sustentável é dada pelas energias renováveis, em especial a solar, a eólica e a hídrica, até agora. Apenas aquilo que a Terra e o Sol nos dão de forma permanente nos permitirá atingir um equilíbrio energético a longo prazo, após a depleção dos combustíveis fósseis, incluindo o urânio. Este é infelizmente muito inferior às necessidades actuais da Humanidade. Assim, segundo Kunstler, o Homem terá de rever de forma drástica o seu modo de vida - em especial os americanos e os seus subúrbios de quilómetros e quilómetros quadrados - regressando inevitavelmente à comunidade local.

Não concordo com Kunstler em muita coisa, em especial na forma como retrata a economia capitalista e, a seu ver, a sua consequência última, a globalização. Para ele, toda ela foi fruto dos combustíveis fósseis, uma espécie de bizarria em vias de extinção. Kunstler não compreende que a globalização não teria de ser obrigatoriamente capitalista, isto é, ela é ideologicamente neutra, como aliás se viu durante a vida do bloco comunista. Vive dos baixos custos de transporte, físicos e digitais. É tecnocrática. A ausência de petróleo aumentará os custos de transporte, esmagando a globalização. Mas o capitalismo é muito mais do que isso. É a forma de optimizar as trocas comerciais, sejam elas locais ou globais. A sua eficiência será posta em causa pela diminuição da concorrência, esmagada pelas distâncias, mas a sua razão de ser continuará. Porém, sou levado a acreditar que teremos de facto de mudar de vida, desperdiçando menos, adaptando-nos a uma nova realidade, dura e fria, à medida que os preços do petróleo e outras commodities finitas forem subindo. Sem petróleo e com seis biliões de habitantes, a Humanidade passará por um dos seus momentos mais difíceis, pior mesmo que o da desagregação do Império Romano. Mas temos de aprender a ver as ameaças como desafios e a acreditar na espécie humana.

terça-feira, abril 18, 2006

Mais profeta, menos profeta...

A série de animação americana "South Park", conhecida pela sua irreverência e sentido de humor, viu-lhe ser censurada pela Comedy Central, canal de cabo responsável pela sua transmissão e parte integrante do universo MTV, a representação da imagem de Maomé num episódio. Assim, durante o tempo que durou a suposta representação do profeta, o canal exibiu um ecrã preto dizendo «a Comedy Central recusou-se a transmitir a imagem de Maomé na sua estação».

Por si só, esta decisão demonstra já o medo que os muçulmanos conseguiram criar em muitos ocidentais. Um dos canais mais arrojados do universo cabo norte-americano, vector de uma mensagem progressista e liberal (no sentido americano do termo), pai do Daily Show de Jon Stewart, que diariamente goza com tudo e todos, em especial se forem neo-conservadores, tele-evangelistas, anti-aborto, pró-guerra, pró-NRA (National Rifle Association) ou pró-"qualquer coisa que não seja práfrentex", decidiu censurar uma das suas séries de culto, que nunca se inibiu de gozar com o que quer que fosse. Seria uma inflexão editorial? Uma auto-censura generalizada perante questões religiosas - já de si preocupante? Não. No mesmo episódio, os criadores de South Park apresentam Jesus, o outro profeta, a defecar em Bush e na bandeira americana, numa pretensa resposta da Al-Qaeda à representação de Maomé (Make cartoons, not war parece ser a mensagem). Mas parece que os responsáveis da Comedy Central tiveram medo e censuraram apenas um dos profetas.

Este comportamento, a meu ver, transmite à sociedade uma mensagem claramente errada e potenciadora de uma radicalização da posição dos activistas cristãos, que conduzirá inevitavelmente à diminuição da liberdade de expressão. Hoje Maomé, amanhã Cristo, depois de amanhã...

30 anos

Fiz trinta anos na semana passada. Calhou bem, pois o interregno laboral da Páscoa permitiu-me começar a dar vazão aos livros que familiares e amigos me ofereceram. E serviu também para alguma reflexão pessoal, sobre a forma como o tempo passa, num lento frenesim, e sobre as mudanças que fui sofrendo, tanto físicas como intelectuais, na forma de viver e de pensar.

Serve esta pequena introdução para dizer que cerca de 10 dias antes de nascer havia sido aprovada em São Bento a nova Constituição da República Portuguesa. Pois é, também ela já passou a barreira dos trinta... e também ela tem sofrido ligeiras mudanças e retoques. Infelizmente, mantém ainda hoje uma carga ideológica de inspiração claramente marxista que não corresponde já à forma de pensar da larga maioria do espectro político nacional. Foi escrita num momento absolutamente atípico da história do país, no calor do momento. Por esse facto, apresenta nalguns aspectos a lucidez de um casal de adolescentes apaixonados que decide casar após uma semana de namoro.

No entanto, não tem havido a necessária concertação entre os dois principais partidos no sentido de alterar a "mãe de todas as leis" e de, uma vez por todas, a transformar no pilar da democracia portuguesa e na referência de liberdade e desenvolvimento pessoal e colectivo dos cidadãos. Num catalisador do progresso e não da inércia. No velho estilo português, temos dado pequenos retoques na lei máxima sempre que tal foi imprescindível para aprovar outras leis - como em tantas outras - mas nunca ousámos alterar-lhe a filosofia, a começar pelo Preâmbulo. Ora Portugal mudou nos últimos 30 anos, tendo caminhado, nalgumas questões, num sentido claramente oposto ao desejado pelas forças revolucionárias do pós-25 de Abril. A febre da revolução passou, as ideias pueris assentaram e Portugal é hoje um país diferente do que se "lê" na Constituição. Cabe-nos voltar a colocar a Constituição Portuguesa no seu devido lugar, como referência do país que qeremos ter amanhã e não do que, ontem, queríamos ter hoje.

segunda-feira, abril 10, 2006

A relatividade das quotas

Foi mesmo para a frente o estabelecimento de quotas para o sexo feminino nas listas dos partidos para a Assembleia da República, autarquias e Parlamento Europeu. O PS, devidamente coadjuvado pelo BE, aprovou a legislação necessária.

A esquerda continua a acreditar que como indivíduos temos muito pouca autonomia intelectual e que são as nossas envolventes que dominam as nossas escolhas. Assim, qualquer assembleia de representantes tem de ser um micro-cosmos sociológico da população que a elege. Porque, no fundo, continuam amarrados ao conceito de luta de classes marxista. Não compreendem que classificar as pessoas é restringir as suas liberdades de escolha.

Uma mulher, além de mulher, tem uma miríade de outras características pessoais. Mal seria se o seu sexo fosse a mais importante. Tem os livros que lê, os discos que ouve, o sítio onde mora, os seus interesses profissionais, os seus hobbies, o seu prato favorito, o seu clube de futebol, a praia de férias, o café de fim de tarde, o filme da sua vida, a sua faculdade, a vida dos seus pais e amigos, e uma milhares e milhares de outras coisas que fazem de nós o que somos incluindo, também, o seu património genético. É esta multiplicidade, esta riqueza, que nenhuma teoria poderá reproduzir a não ser que a assuma de base, como fazem as teorias liberais que centram no indivíduo e na suas suas características únicas a base da sociedade.

Por outro lado, não me parece que a selecção de pessoas para as listas de deputados se faça tendo por base o sexo dos eventuais candidatos. Se algum factor é decisivo nesta matéria, é o de pertencer a um partido. Assim, e seguindo o fio lógico de quem defende o regime de quotas - que não é de forma alguma o meu, a única decisão possível passaria por criar quotas para independentes, na tentativa de contrariar a clara discriminação a que é exposta quem está fora dos círculos partidários. Se disser que apenas 5% da população é militante de algum partido, não estarei a errar por muito - e por excesso, creio... Porém, cerca de 95% dos deputados são militantes de partidos, numa clara discriminação a que estão expostos todos aqueles que não pertencem ao status quo.

Proponho, portanto, em nome dos defensores dos regimes de quotas, que 2/3 dos membros das listas dos partidos tenham de ser independentes, pondo cobro a um passado de inferiorização dos mesmos, sempre afastados do poder político e vistos como adorno do poder instituído. Só assim poderemos aproximar o nosso parlamento da realidade do país. Depois, só precisaremos de definir que 1/5 dos deputados receberá o salário mínimo e que 5% terá de ser imigrante ilegal...

segunda-feira, abril 03, 2006

E um limite máximo para a asneira?

Vem este título a propósito das notícias vindas a público durante o fim de semana, que davam conta da pretensa intenção do governo de baixar o limite legal máximo da taxa de alcoolémia no sangue dos condutores dos actuais 0,5 g/l para 0,2.

Correndo o saudável risco de ser politicamente incorrecto, o que quer que este disparate signifique, afirmo sem qualquer pudor que a ingestão de bebidas, com ou sem álcool, é um direito de cidadania, não existindo - até ver... - limites legais para o seu consumo. Assim, tal como o direito a fumar 3 maços de tabaco por dia, o direito à cirrose está garantido, haja para isso dinheiro e vontade. Esta liberdade só pode ser alienada, numa sociedade liberal, caso existam evidências objectivas e devidamente fundamentadas de que esta põe em causa os direitos e liberdades de terceiros. Essa deve ser a sustentação moral para o limite máximo legal estabelecido e não qualquer cruzada moralista contra o alcoolismo. O limite existe porque a partir de uma dada taxa se considera, com base em estudos científicos de credibilidade inquestionável, que a diminuição das capacidades de condução e as alterações comportamentais ocorridas põem em causa a integridade física de terceiros.

Seria, por isso expectável que, a acompanhar esta intenção, houvesse algum estudo científico credível ou dados estatísticos inquestionáveis, demonstrando que a condução com taxas de álcool entre o,2 e o,5 g/l é uma ameaça ao corpo e bens de terceiros. Curiosamente, a única conclusão retirada da experiência acumulada é de que a maioria dos acidentes automóveis ocorre quando os condutores apresentam níveis de alcoolémia superiores a 1,2 g/l, 5 vezes superior ao máximo legal desejado por alguns responsáveis públicos.

Como tudo na vida tem uma razão de ser, há que procurar uma justificação para esta vontade do governo. Uma hipótese poderá ser, como atrás referido, a existência de uma cruzada contra o álcool por razões ideológicas mas nada nos indica que tal seja o caso. A outra, igualmente grave e atentatória das liberdades fundamentais de um estado de direito, prende-se com a segunda parte desta notícia, que salientava que a diminuição do valor máximo permitido poderia ocorrer, caso o sector económico responsável pela produção e distribuição de bebidas alcoólicas não suportasse "voluntariamente" as campanhas contra a sinistralidade rodoviária. Esta situação, posta desta forma, evidencia uma clara chantagem ao sector em questão de um Estado que, não se sabendo concentrar no fundamental, gasta o seu dinheiro, pago por todos, no supérfluo, exigindo a quem já pagou que torne a pagar. Felizmente, os responsáveis do sector parecem estar à altura do desafio, a julgar pelas declarações proferidas.

Não é papel dos produtores nacionais de bebidas alcoólicas o financiamento excepcional de campanhas públicas. Esta pretensão é tão disparatada como seria apontar o mesmo alvo aos construtores de automóveis pelas velocidades "excessivas" que estes atingem, amplamente para lá do limite legal de 120 km/h e que, ou muito me engano, ou são também causa de boa parte dos acidentes rodoviários.

Este caso é um exemplo académico de como as liberdades sociais e económicas andam de braço dado e são tão facilmente atacadas. Infelizmente, quem não tem princípios a nortear os seus actos, não olha a meios para atingir os seus fins.