Ideias Livres

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Hedging no Dérbi

Estamos na véspera de um dérbi - porque é que escrever correctamente, adaptando os estrangeirismos para português, faz com que nos sintamos ridículos? - e, como sportinguista, decidi-me a fazer pela segunda vez uma aposta desportiva contra o meu clube. A primeira fi-la na nossa última deslocação às Antas. Então apostei 25 euros na vitória dos andrades e dei-me mal. Financeiramente, claro. Desportivamente fiquei satisfeito com o resultado. No entanto, caso tivesse perdido não me iria a baixo com essa facilidade, afinal de contas tinha ganho perto de 20 euros, sempre pagava o jantar!

Para amanhã, já fiz uma aposta igual. Se porventura calhar os lampiões levarem de vencida o meu Sporting, ganho umas massas à sua custa que, embora não compensem, atenuam a derrota, se os leões empatarem ou vencerem, esqueço tudo em nome do resultado obtido. No fundo, estou a levar a cabo uma operação de hedging, cobrindo o meu "risco" de ficar fortemente enervado e irritado com o desenrolar do jogo e com o seu desfecho. Minimizo a minha irritação e desconforto, não sofrendo de forma tão violenta. Aprecio melhor a partida.

No meu caso, esta estratégia foi apenas uma forma divertida que criei de atenuar a "exposição" ao resultado dos grandes jogos. Mas deixou-me a pensar se não poderia ser uma terapia interessante para aqueles adeptos mais fanáticos, que sofrem de uma forma doentia - e a minha, não será?... - e muitas vezes põem em risco a sua própria vida ao assistir a um jogo do seu clube. Apostando 100 ou 200 euros na vitória da equipa contrária teriam, inconscientemente, uma sensação de ganho que minimizaria a sua perda enquanto adepto.

Esta é, de resto, a forma como muitas empresas seguram a margem da sua actividade de negócio. Hoje existem milhares de operações possíveis de hedging, que podem envolver quase tudo o que possa afectar o desempenho de uma empresa - incluindo o clima. Imagine-se uma empresa que vende chapéus de chuva. Um ano em que não chova pode ser calamitoso para o negócio. Porém, uma empresa gestora de uma marina considerará o oposto. O objectivo do hedging é descobrir a nossa Nemesis e apostar que ela vai vencer.

Uma das principais discussões centra-se no quanto devemos minimizar o nosso risco, de forma a que também não deixemos de ter uma cenoura atrás da qual correr. Excessivas cautelas diminuem o incentivo ao bom desempenho e afastam os investidores. Mantendo a analogia para o Benfica-Sporting de amanhã, seria o mesmo que apostar tanto na vitória do Benfica que acabaria a torcer por eles... saber qual o grau de exposição que se pretende assumir é uma decisão de gestão muito importante e depende normalmente da filosofia das empresas. Muitos adeptos de futebol nunca fariam o que eu fiz pelo simples facto de apreciarem a adrenalina e estarem na disposição de poder sofrer bastante sabendo que, se ganharem terão muito mais prazer do que eu, que terei perdido 5 contos com isso. Do mesmo modo, algumas empresas também preferem assumir o risco, ou parte dele, normalmente porque têm acesso a informação que o mercado não tem e que pensam que lhes dará uma vantagem competitiva ou porque os seus accionistas preferm uma posição de risco.

Amanhã veremos se cobri convenientemente a minha exposição, com o mesmo valor que tinha apostado contra o Porto, ou se, como bom lagarto, sofro mais contra o Benfica...

PBDB (Pós-Banho de bola) - Os 25 euros foram suficientes visto que, mesmo a perder, nunca duvidei da capacidade do Sporting em dar a volta ao resultado. Perdi mais 5 continhos... Se tivesse que fazer isto para o Sporting não perder na Luz até ao fim dos meus dias, fá-lo-ia. Infelizmente, algumas vezes limitar-me-ei a ganhar dinheiro...

segunda-feira, janeiro 23, 2006

As duas Direitas

Alguma direita conservadora não escondeu a sua simpatia para com Manuel Alegre ao longo da campanha eleitoral. Gostavam dos seus modos, dos seus hábitos, dos seus gostos. Como várias pessoas disseram, Alegre tinha tudo para ser um digno representante da direita tradicional.

Pelo contrário, muitos desses elementos olhavam - e olham - para Cavaco Silva com desdém. Não lhe reconhecem o mérito, não lhe valorizam o recolhimento. No fundo, concordaram com Soares nas várias acusações que este lhe fez. Votaram nele "porque tinha de ser".

Julgo que é aqui que se dá a grande fractura entre a direita tradicional, conservadora, estática e estatista, normalmente associada à antiga aristocracia e a direita moderna, globalizadora, dinâmica e liberal, que acredita no mercado e na sociedade como reequilibradores permanentes de forças. Enquanto a primeira nutre admiração por aqueles que têm tudo para ser de direita mas são de esquerda, como Alegre, por verem neles um pouco do que também eles julgam que foram em tempos, a segunda dá muito mais valor e reconhece-se mais em alguém que tem tudo para ser de esquerda mas é de direita, como Cavaco Silva.

Enquanto a primeira direita no fundo acredita na luta de classes - e foi a causa da sua existência - a segunda acredita na igualdade dinâmica e na luta individual.

sábado, janeiro 21, 2006

Pais e Filhos

Já por várias vezes discuti com amigos e família sobre qual a melhor forma de combater a pobreza entre os idosos, provavelmente o maior problema social com que nos deparamos, e que tem várias razões, algumas típicas das sociedades ocidentais em geral, outras endógenas, fruto do carácter opcional dos descontos para as Caixas de Previdência durante o Estado Novo.

Para mim, dou como certa uma coisa. A resposta reside na solidariedade geracional. Aqueles que, durante o meu desenvolvimento pessoal, desde a gestação até atingir a idade adulta, me apoiaram, muitas vezes com sacrifício pessoal, devem ver esse esforço retribuído quando - e se - chegar a sua vez de necessitar da ajuda de terceiros para manter a sua qualidade de vida. Cabe, portanto, aos filhos, de um modo genérico, apoiar os pais quando estes, chegados ao crepúsculo da vida, precisarem que alguém faça por eles o que estes fizeram vezes sem conta por outros. Esta é a forma correcta e equilibrada de uma sociedade lidar com os vários níveis etários da sua população e com as características inerentes a cada um deles. Os meus pais ajudaram-me, eu ajudo-os a eles.

Mas faço-o porque são meus pais? Em parte, talvez, mas essencialmente porque me ajudaram. Se tivesse sido abandonado pelos meus pais biológicos e adoptado, seria aos meus pais adoptivos que eu me sentiria ligado e que quereria ajudar sempre que precisassem. Se fosse órfão e vivesse toda a minha infância e adolescência numa instituição de acolhimento, gostaria talvez de retribuir à sociedade, de alguma forma, o bom ou mau tratamento que aí houvesse recebido. E, quem sabe, se considerasse que os meus pais me haviam tratado incorrectamente acabasse, consciente ou inconscientemente, por tender a tratá-los de forma semelhante. Por mais dificuldade que tenhamos em encarar o facto, a vida não é sempre um conto de fadas...

Vem este tema à baila a propósito da proposta do ministro da Segurança Social para que os filhos passem a ser obrigados, em determinadas situações, a ajudar financeiramente os pais. Assim, mete-se no mesmo saco milhares de realidades distintas, cada qual com a sua especificidade e não comparável com a do lado. Pela enésima vez a esquerda tenta legislar de forma a forçar a população a ter um comportamento por si considerado como adequado, esquecendo-se de que não lhe cabe esse papel. Este tipo de extorsão faz-me lembrar muitos daqueles casos de "pensões de alimentação" que as ex-mulheres - ou ex-maridos, consoante o lado em que se encontra a fortuna pessoal - tentam obter dos ex-cônjuges (pronto, assim dá para os dois casos...), no estilo Ivana Trump. E poderá ser mais uma caixa de Pandora que, por negligência e soberba, se poderá abrir na sociedade portuguesa.

terça-feira, janeiro 17, 2006

O mundo irónico em que vivemos

Anteontem, na entrada da A3, direcção Porto-Braga, um camião de transporte de suínos com cerca de 200 animais tombou, provocando a morte de cerca de 30 porcos. Os restantes safaram-se como puderam, dispersando pela auto-estrada. A Sic Notícias usou como parangona para o ocorrido "30 porcos morrem em despiste na A3" ou algo do género.

Entrevistado pelo jornalista da SIC quanto ao estado dos restantes animais, o suinicultor proprietário dos animais e do veículo disse, com enorme profissionalismo: "Bom, recolhemos os animais, eles vão ser examinados e, caso estejam bem, serão conduzidos ao matadouro..."

Quais os direitos dos animais? Em que nos devemos basear para os definir? Qual deve ser a posição de um liberal relativamente a esta matéria? Se, por um lado, a tendência vai no sentido de uma maior sensibilidade em relação ao sofrimento dos animais - essencialmente, como reacção egoísta contra o nosso próprio sofrimento - por outro existe um claro conflito de interesses entre a vida de muitos animais e a nossa dieta alimentar. Será que a nossa dieta alimentar poderá, algum dia, dispensar a ingestão de carne? Devem os animais ter direitos que se assemelhem aos dos seres humanos, à semelhança do que sucede, por exemplo, com os indivíduos com deficiências mentais profundas? Confesso que não tenho grandes respostas para estas questões e não sei se algum dia terei. Temos relações muito distintas com outras espécies. Um cão não é visto da mesma forma que um rato, por exemplo. Tal faz pressupor que decisões que tomemos nesta matéria tenderão a fazer reflectir a proximidade afectiva que tivermos às espécies em questão. Espero voltar a este tema no futuro.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

O erro de Sócrates

Ao não apoiar Manuel Alegre como candidato oficial do Partido Socialista contra Cavaco Silva, José Sócrates terá cometido o seu primeiro grande erro de estratégia política desde que assumiu a presidência do Partido Socialista. Alguns poderão considerar que já havia cometido outros, nas autárquicas, com as estrondosas derrotas sofridas em Lisboa, por Carrilho, e no Porto, por Assis. Mas esses resultados foram, acima de tudo, da responsabilidade dos candidatos e foi assim que foram analisados pela comunicação social. Além do mais, os resultados globais do PS não terão sido catastróficos e são difíceis de comparar, a nível nacional, com os do PSD, dado o elevado número de votos obtidos pelos sociais-democratas em coligação com o CDS/PP.

Já no que diz respeito às eleições presidenciais - e a fazer fé nos valores das últimas sondagens disponíveis - não só o candidato oficial do PS não conseguirá ganhar as eleições, como corre o risco de ficar atrás de Manuel Alegre, o candidato rebelde. Alegre foi, aliás, o "joker" com que Sócrates não contou. Nunca lhe agradou a ideia de o apoiar, depois do embate do ano anterior para a liderança do partido. Porque um dos defeitos aparentes de Sócrates até agora será o de tomar decisões por razões de agenda pessoal e não de benefício colectivo, deixou-se levar pela tentação de se vingar de Alegre e, ao mesmo tempo, expôr Mário Soares a uma batalha quase impossível de vencer. Queria, em boa linguagem popular, matar dois coelhos de uma cajadada só, forçando o PS a entrar de corpo inteiro no século XXI tendo-o a si como Grande Timoneiro.

Infelizmente, a história tem o péssimo hábito de se escrever a ela própria, estragando muitas autobiografias que assim nunca poderão ser postas no papel... Alegre, sentindo-se humilhado, decidiu ir em frente, destruindo um eventual consenso em torno de Soares e expondo-o ao ridículo da sua candidatura. Porém, até aqui, ainda nada estava perdido para Sócrates. Não contando desde o início com a vitória de Soares, a candidatura de Alegre, apesar de incómoda, era suportável. Mas infelizmente para Sócrates, Soares queria mesmo ganhar. E, tal como num jogo de póquer, estava disposto a arriscar tudo. Incluindo a imagem do líder do seu partido.

Ao fazer declarações pouco dignas de um estadista, atacando de forma incorrecta Cavaco Silva e a imprensa, foi enaltecendo o perfil educado e nobre de Alegre, degradando mais ainda a sua imagem. Em vez de tirar votos a Cavaco ia dando os seus a Alegre. E à medida que o tempo passava e a sua estratégia não surtia efeito, o eventual voto útil em si ia-se dissipando, levando os socialistas a esquecer a posição oficial e a votar em quem preferiam como pessoa: Alegre. E assim, de forma irónica, em vez do filho seguir as pisadas do pai, parece que será o pai a copiar o filho. Uma desgraça.

E foi com toda esta sequência de acontecimentos que Sócrates nunca contou e com a qual terá de viver nos próximos tempos. Se Alegre ficar de facto à frente de Soares, Sócrates cometeu um terrível erro de julgamento e deverá responder por ele. Caso não queira perder a sua autoridade interna, resta-lhe pedir a demissão de secretário-geral do PS e convocar um congresso extraordinário para sufragar internamente a decisão da direcção do partido. Não o fazer será deixar uma ferida aberta, que dificilmente sarará.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Homens Livres - II


John Lilburne e o Estado de Direito


A liberdade tem sido conquistada ao longo dos últimos séculos com o espírito de dedicação e sacrifício de milhares de seres humanos, que por ela - ou apenas uma imagem pálida do que ela pode ser - deram as suas vidas.

A vida humana e a relação dos cidadãos comuns com o poder, há apenas 400 anos, era de total desequilíbrio e arbitrariedade. Vivia-se, na prática, pela lei do mais forte, em que as regras se reinventavam a si próprias ao sabor de quem mandasse.

Foi nesta realidade que nasceu e viveu John Lilburn, por volta de 1615. E contra ela lutou, de forma quase quixotesca, sem desistir, pondo em causa a sua integridade física e sacrificando a sua vida pessoal. Esteve preso a maior parte da sua vida adulta, batendo-se sempre contra a prisão de pessoas sem culpa formada e de forma parcial. Escreveu mais de oitenta panfletos em que atacou a intolerância, os impostos, a censura, as limitações às trocas comerciais e o recrutamento militar. Defendeu a propriedade privada, o comércio livre e as liberdades associativa, religiosa, de expressão e de imprensa. Bateu-se até à morte pelo Estado de Direito, pela proporcionalidade eleitoral, pela separação de poderes e por uma constituição que limitasse os poderes do governo.

Envolvido na guerra entre o Parlamento e o Rei, ao lado do primeiro, acabou por se afastar quando Oliver Cromwell, também apoiante do Parlamento, quis aprovar uma religião oficial e banir as demais, o que para ele era um acto inadmissível de intolerância - e cuja afronta pagaria durante o resto da vida...

Preso vezes sem conta, aproveitava essas épocas para escrever os seus panfletos reivindicativos. Entre as muitas ideias livres que defendeu ao longo da vida, está a noção da existência de legislação escrita em Inglês, para que todos a ela possam aceder, que só pudesse haver julgamentos com acusação formada, a qual teria de ser coerente com a legislação existente, e que o réu tivesse direito de defesa. Criticou os vários monopólios do Estado ou de interesses nele representados - e, passados 400 anos eles mantêm-se... - defendendo sempre o comércio livre.

Uma das suas frases mais significativas diz "A cada indivíduo é dada uma propriedade individual pela Natureza, a qual não deve ser nem invadida nem usurpada por ninguém. Pois todos, como ele, possuem uma propriedade pessoal, sem a qual não podem ser eles próprios... pois todos os homens nascem, de forma igual, com necessidade de propriedade e de liberdade".

Mas foi na defesa do Estado de Direito que o seu papel foi mais relevante e mais marcas acabaria por deixar. Tendo vivido em plena Revolução Puritana, num dos séculos mais marcantes e conturbados da história de Inglaterra, com o qual a Revolução Francesa teve, inicialmente, muitas semelhanças, Lilburne defendeu sempre o lados mais fraco (que nme sempre era o seu), tentando impôr regras que fossem cegas ao nome ou ideias de quem a elas se submetesse. A ele se deve a noção, visionária para a altura, de igualdade perante a lei: "Que em todas as Leis criadas, ou a criar, todas as pessoas sejam vistas de igual forma e que nenhum Título, Propriedade, Privilégio, Estatuto, Berço ou Posição concedam a alguém algum tipo de isenção do regular sistema judicial ao qual todos os outros estão sujeitos."

Morreu em 1659, doente, vítima de anos e anos de aprisionamentos em condições degradantes até para a época em que se realizaram. O seu nome foi esquecido, talvez por não ter deixado nenhuma obra que compilasse todas as suas ideias. Mas ele foi uma das almas inspiradoras dos pensadores liberais dos séculos seguintes e o primeiro defensor de muitas dos conceitos de justiça e liberdade que hoje estão fortemente implantados na sociedade ocidental.

No entanto, é importante lembrar que em boa parte do mundo não existem ainda muitas das regras básicas de Justiça e Liberdade que Lilburn defendeu na Inglaterra do séc. XVI. Há pessoas presas arbitrariamente todos os dias, pelas suas ideias, pela sua cor, pela sua religião. O clientelismo, forma pobrezinha de corrupção, está culturalmente disseminado no nosso país, 4 séculos depois de ter sido denunciado por Lilburne. O poder político nomeia, à vez, os seus protegidos - felizmente já não manda prender quem o denuncia. E por isso, cabe-nos a nós, aos poucos, fazer o que homens como Lilburne fizeram a tempo inteiro. Porque tudo na vida tem um preço.

Um palpite...

Muitos pensam que a esquerda se tem apresentado constantemente contra um sistema de segurança social misto, de componente pública e privada, em que o primeiro só pode ir até um determinado montante, sendo obrigatório, e o outro pode ou não ser opcional, consoante os modelos - para mim, por exemplo, seria todo ele privado, podendo ou não o Estado obrigar os cidadãos a efectuar descontos até um dado valor - por considerar esta medida uma ameaça aos direitos e garantias dos cidadãos, um primeiro passo no caminho da destruição de todo o sistema de segurança social obrigatório.

Até posso acreditar que em parte possa ser por isso, mas julgo que acima de tudo os neomarxistas acham que, se alguém tem dinheiro suficiente para meter em sistemas privados de poupança que lhe permita vir a ter uma choruda reforma, é porque devia pagar muito mais impostos... infelizmente, parece-me que continuam a lutar contra a riqueza e não contra a pobreza. Mais do que conjuntural, é um problema doutrinário.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

A emancipação

Não, não pretendo falar sobre a relação entre pais e filhos e sobre o modo como esta se altera com o final da adolescência e o início da idade adulta. Ou, se calhar, até pretendo. Os últimos dias tiveram como manchete de muitos jornais europeus, antes do (in)esperado e fatídico ocaso de Sharon, a crise energética na Ucrânia, com o eventual corte no abastecimento de gás por parte da Gazprom, ou seja, da Rússia. Infelizmente, muito ao estilo europeu, os media preferiram apontar o dedo à parte forte, sem antes analisarem devidamente a questão. Para o fazer convém ler a afirmação de Paul Robinson, jornalista do The Spectator:

"I don’t believe that I can be alone in having spent a Russian or Ukrainian winter with the windows of my room wide open. Many buildings in that part of the world are dreadfully overheated, for the simple reason that energy is so cheap. Soon, however, Ukrainians will have to learn to close their windows. Until this week, the Russian gas company Gazprom charged Ukrainian consumers $50 for every 1,000 cubic metres of gas they used. On Sunday Gazprom demanded that they pay $230."

Seria também importante salientar que o Ocidente paga aproximadamente o que foi pedido pela Gazprom. Assim se justifica a primeira frase de Paul Robinson. Por mais que doa à esquerda europeia, só um mercado livre, líquido e transparente permite racionalizar custos, com evidentes custos ambientais e económicos, promovendo implicitamente o combate ao desperdício.

Porém, além desta lição de mercado - mais uma... - os ucranianos terão de aprender uma outra, de vida. Após 50 anos vividos sob a protecção paternalista da Grande Ursa, estes escolheram, no passado ano, romper com os laços opressores que os mantinham unidos, elegendo para presidente Viktor Iushenko, o candidato pró-ocidental, e hostilizando a relação com a Rússia quase ao ponto da ruptura.

Como todos nós nos recordamos, a emancipação, por melhor que ela saiba - é, afinal, apenas mais uma expressão da Liberdade - tem os seus custos. E eles passam por uma maior responsabilização, por um sentimento ocasional de desorientação e pela perda da asa protectora que nos mima e protege (a troco, quer queiramos quer não, de um tratamento especial, característico das relações entre pais e filhos). Ao exigir essa emancipação, com tudo o que de bom isso lhe trará, a Ucrânia tem de a saber assumir, cerrar os punhos e seguir em frente - ou seja, pagar pelo gás o que todos pagam na cena internacional. Não o fazer seria dar de si um atestado de menoridade que não merece, e transformar a Revolução Laranja numa crise adolescente.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

O ocaso de um entertainer

Ontem, na Charneca da Caparica, num comício de apoio a Mário Soares, Jorge Coelho proferiu declarações de alguma gravidade, num regime democrático, tentando condicionar de forma ameaçadora - vindo dele, infelizmente, já não é novidade - o sentido de voto dos portugueses nas próximas eleições presidenciais. Entre outras pérolas com as quais fui acordado hoje de manhã pela Antena 1, disse "Pensem bem para não irem em conversas. Pode estar em causa tudo aquilo em que votaram em Fevereiro e fazer com tudo volte para trás".

Quanto a Soares, continua a fazer a sua (última?) tournée pelo país, mostrando os seus dotes de entertainer e demonstrando em cada terra por onde passa porque julga ser ainda ainda o mais capaz para assumir o papel de Mestre-Jogral durante os próximos cinco anos. Ele diverte, ele faz caretas, conta anedotas sobre os outros, fala de boca cheia e dança o vira. Só lhe falta um chapéu com sininhos, à bobo da corte. Pena é, claro, que ninguém, no seu séquito, lhe diga que afinal a eleição é para Presidente da República, mas desconfio que também eles se estão a divertir muito com tudo isto.

Assim, restam-nos mais 15 dias de "Levanta-te e Ri" misturado com "Luís de Matos" (sempre que Soares decidir tirar Coelhos da cartola...)

O silêncio envergonhado da esquerda europeia

Com a morte de Yasser Arafat, nasceu a esperança para a resolução do conflito israelo-palestiniano.
Com a morte de Ariel Sharon - ou pelo menos o seu afastamento da cena política - esta poderá estar seriamente ameaçada.
Esta é a crua realidade que nenhum político da esquerda europeia alguma vez dirá - e, caso suceda, tirar-lhe-ei o meu chapéu invisível.
Durante todo este tempo, da boca de grande parte dos políticos europeus, em especial os da ala esquerda, não se ouviu uma palavra de apreço pelo trabalho realizado pelo velho falcão. De um momento para o outro, os Louçãs da velha Europa deixaram de falar da situação em Gaza e na Cisjordânia. Quanto maiores as possibilidades de resolução do conflito, criado por nós, europeus, mais estes tentavam desviar as atenções para outras paragens. Com este comportamento, fizeram cair a máscara da preocupação humanitária, tão firmemente presa à cara, deixando ver o rosto da mesquinhez política. Para eles, a questão palestiniana nunca foi mais do que uma peça de xadrez na luta contra o "imperialismo americano". Como abutres, procuram as misérias do mundo para se alimentarem politicamente, em vez de procurar construir futuros melhores. Praticam uma espécie de vampirismo político, que só subsiste onde houver "sangue". Esperemos que lhes seque a fonte...

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Homens Livres - I


Cícero, avô da lei natural

Nascido em 106 AC, Cícero foi um famoso orador romano que toda a sua vida perseguiu políticos corruptos e foi pioneiro na definição de determinados conceitos que se tornaram na base da sociedade ocidental. Entre estes, encontramos a noção de lei natural. Segundo ele, uma lei só é legítima quando é consistente com determinados padrões de liberdade e justiça e declarou que os governos se encontram moralmente obrigados a proteger a vida humana e a propriedade privada.

Pela primeira vez e ao contrário dos filósofos gregos, que consideravam que governo e sociedade se confundiam, definiu o governo como um representante da sociedade, obrigado moralmente a servi-la e que, portanto, a sociedade extravasava o governo. O apreço pela miríade de maravilhas da sociedade civil, onde os indivíduos criam línguas, mercados, hábitos e costumes e outras instituições apenas chegaria no século dezoito, mas foi Cícero que viu pela primeira vez a luz. Foi o primeiro a afirmar que o governo tinha como obrigação, em primeiro lugar, a protecção da propriedade privada - coisa que muitos governos, ainda hoje, não percebem. Escreveu no seu De Officcis, em 44 AC, "o principal objectivo no estabelecimento de Estados e ordens constitucionais foi o da segurança da propriedade privada... É função especial do Estado e da cidade garantir a qualquer homem o controlo livre e sereno da sua propriedade."

Estas duas perspectivas, a de que uma lei, para ser aceite tem de cumprir padrões de liberdade e justiça, e a da defesa da integridade física dos homens e da sua propriedade como papel primordial do Estado, são pilares básicos de uma sociedade liberal que são inúmeras vezes esquecidos pelos dirigentes políticos de todo o mundo em pleno século XXI, 2200 anos depois de terem sido defendidos pela primeira vez.

Cícero acabaria por morrer em 43 AC, assassinado por mercenários a soldo daqueles que consideravam as suas ideias uma ameaça ao seu poder despótico. Mas as suas palavras continuarão a ecoar, livres.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Euromilhões - Dakar

Deveria ser este apenas o nome do rally que a semana passada começou em Lisboa.

Afinal de contas, foram, também, os montantes pagos pelo "Patrocinador Principal", o Euromilhões - uma marca europeia mas para cujo patrocínio apenas participou a Santa Casa da Misericórdia... - que tornaram possível a realização do evento em Portugal sem um descalabro financeiro. É no mínimo de estranhar que uma organização social portuguesa gaste uma pequena fortuna (1,5 milhões de euros) no patrocínio de um evento cujos custos publicitários são proporcionais aos da sua projecção internacional. Poderia fazer sentido patrocinar um evento interno mas promover uma marca que não é só sua sem o apoio dos restantes interessados? Faz até soar a subsidiação estatal camuflada...

Aliás, tal não é de estranhar pois nos últimos anos o patrocínio principal foi feito pela Telefónica, enquanto a prova se iniciou em solo espanhol. É apenas mais uma de muitas empresas pseudo-privadas que servem os interesses propagandísticos dos regimes e cujos administradores são, de uma forma ou de outra, avalizados pelos governos centrais.

Além dos 1,5 milhões da Santa Casa, o Estado português gastou perto de 4 milhões de euros , repartidos entre a Administração Central e as autarquias de Lisboa e Portimão, para garantir o evento.

Os envolvidos neste erro, senão financeiro, pelo menos democrático, justificam-se com a entrada de divisas em Portugal, em especial no sector hoteleiro. Pessoalmente, nem eu nem a grande maioria dos portugueses ganhou nada com este evento. Apenas ficámos com menos 4 milhões de euros que poderiam ter sido utilizados noutras áreas prioritárias onde se diz faltar dinheiro ou, a minha preferida, não ter sido gasto de todo, contribuindo um pouco para a diminuição do défice público...

Homens Livres

Comprei, há uns tempos, um livro de 2000 intitulado "The Triumph Of Liberty", de Jim Powell. Confesso que não o conhecia e que o comprei no E-bay, em segunda mão, pouco sabendo sobre o seu conteúdo. O livro é uma história da liberdade na forma de biografias de homens e mulheres que por ela lutaram e, várias vezes, perderam a vida.

Infelizmente, não se encontra traduzido para português, pelo que tenciono ir, aos poucos, apresentando cada um dos que Powell considera serem os "pais" da liberdade, através da tradução de excertos relevantes para a compreensão do contributo dado por cada um deles. Uns são de todos conhecidos, outros só de alguns interessados e um ou outro foram esquecidos pelo tempo e justamente reconhecidos por Powell. Todos eles são exemplos para a Humanidade e em especial para quem, como eu, acredita na liberdade individual, na tolerância e no direito à escolha como pilares do futuro.