Ideias Livres

quarta-feira, agosto 31, 2005

Frases Livres - 7

"The man of system... seems to imagine that he can arrange the different members of a great society with as much ease as the hand arranges the different pieces upon a chess-board; he does not consider that the pieces upon the chess-board have no other principle of motion besides that which the hand impresses upon them; but that, in the great chess-board of human society, every single piece has a principle of motion of its own, altogether different from that which the legislature might choose to impress upon it."

Adam Smith (1723 - 1790), filósofo e economista escocês

(retirado de um artigo do Globalization Institute)

terça-feira, agosto 30, 2005

A boa globalização

De acordo com o Jornal de Negócios, a Volkswagen está prestes a decidir construir o novo SUV do grupo na AutoEuropa, deixando para trás a unidade de Magdeburgo, na Alemanha. Na base desta decisão estarão os menores custos da fábrica portuguesa, que permitirão diminuir em cerca de 1000 euros os custos unitários de produção.

Espero ouvir da boca dos sindicalistas e políticos mais reaccionários que normalmente vociferam contra o capital sem pátria - alguém me explica o que é o capital com pátria? - e contra a famigerada globalização, por uma questão de coerência, a sua total solidariedade para com os trabalhadores da fábrica alemã e a sua oposição à utilização da unidade de Palmela, visto esta promover os baixos salários e o dumping social na Alemanha. Porque não tenhamos dúvidas de que nós não passamos de uma espécie de familiar afastado do Sudeste Asiático para os congéneres políticos alemães de Francisco Louçã e Carvalho da Silva. E que, se dependesse deles, nem existiria AutoEuropa, pois toda a produção da Volkswagen deveria obrigatoriamente ser levada a cabo em território alemão. Tal como no futebol, o árbitro só é bom quando se engana a nosso favor...

Este fundamentalismo nacionalista reaccionário é a resposta de uma parte maioritária da esquerda ao movimento transnacionalista da economia, numa tentativa de o contrariar, caindo na tentação do populismo fácil, com laivos de fascismo social. Pois o socialismo, quando se fecha nas fronteiras de uma nação, transforma-se em nacional-socialismo, também conhecido no passado como nazismo.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Uma história em forma de espelho

Além de me recordar genes magrebinos ocultos em nove meses de pele clara, o sol algarvio serviu também para ler um livro que tinha comprado há mais de um ano - serão dois? - e que vinha ficando para trás, por não correr o risco de se desactualizar.

História de Lisboa, de Dejanirah Couto, publicado pela Gótica em 2003, descreve, não de forma exaustiva, nem pretensamente científica, mas numa interpretação claramente pessoal, a história da minha cidade. Não é uma obra romântica nem épica, tendo muito mais de cínica e sarcástica, conseguindo por vezes incomodar-nos pela forma como desmistifica lirismos e mitos lisboetas e nacionais. Acaba por fazer também uma breve história de Portugal, inevitável para quem descreve a evolução da capital pluricentenária da nação. Portugal é visto como um colectivo sociológico ignorante, apresentando sintomas claros de bipolaridade, alternando entre os insustentáveis consumismo e ostentação novos-ricos, dos pós-descobrimentos do século XVI, do ouro brasileiro do século XVIII e, fora do âmbito do livro, dos subsídios comunitários do final do século XX, e o fatalismo miserabilista e descontrolado que sempre se seguiu a esses frenesis semipatológicos, numa amálgama de obsessão religiosa, costumes panteístas e deboche imoral, pontuado ocasionalmente por momentos de genialidade e racionalismo, pelas mãos de Filipa de Lancastre e da Ínclita Geração, pela presença salutar de moçárabes e cristãos novos - antes de serem perseguidos, mortos ou expulsos, e pelo trabalho individual de homens como D. João II, o Marquês de Pombal ou Duarte Pacheco.

Pese embora uma certa dificuldade em julgar determinados comportamentos de acordo com a moral da época em que estes ocorrem, a autora consegue colocar o dedo na ferida em várias ocasiões, ajudando-nos a compreender melhor as nossas fraquezas e a razão actual da nossa aparente inviabilidade socio-económica.

quinta-feira, agosto 25, 2005

Anarquistas, jihadistas e liberais

O Economist desta semana traz um interessante artigo focando as semelhanças entre os movimentos terroristas actuais e os de final do século XIX. Foca a importância que estes tiveram à data, compara a semelhança das reacções dos responsáveis políticos de então com os de hoje e descreve a evolução do movimento anarquista revolucionário, desde a sua origem inspiradora, Proudhon, até aos seus gurus mais radicais, Bakunin e Kropotkine.

Falta-lhe, porém, ir um pouco mais longe na análise e tirar mais algumas ilações do passado para que não cometamos os mesmos erros no futuro. Foram estes movimentos terroristas anarquistas, que visavam a destruição não apenas do Estado, mas também, e acima de tudo, do capitalismo e da burguesia - daí a semelhança quanto ao inimigo para com os jihadistas dos dias de hoje - que minaram a sociedade ocidental da segunda metade do século XIX e, com a onda de violência que criaram, ajudaram a criar sentimentos de insegurança que facilmente se transformam em focos de xenofobia, vírus mortal para o liberalismo. Os sucessivos atentados contra figuras públicas de topo - ministros, monarcas e industriais - minaram a estabilidade dos países e catalisaram as fraquezas existentes, tendo inclusivamente provocado a I Guerra Mundial e, antes, em Portugal, com o assassínio de D. Carlos, a queda do regime. As várias nações foram-se fechando sobre si mesmas, desconfiadas dos seus vizinhos, o que levou a uma maior intervenção estatal. Foi o princípio do fim do liberalismo novecentista, que durante meio século havia ajudado a desenvolver as principais economias mundiais. A partir daí, e até ao final da II Guerra Mundial, os países voltaram-se a fechar sobre si mesmos, com graves consequências para o sector económico como se pôde ver durante a década de 30.

Por tudo isto, a única resposta possível ao terrorismo é maior abertura e interdependência das economias, como foca Martin Wolf num excelente artigo publicado no Financial Times em Julho passado, intitulado Tough liberalism is the only response, em que refere que "o liberalismo é o único credo unificador para um mundo dividido".

domingo, agosto 21, 2005

Santa Casa do Monopólio do Jogo

O patrocínio de uma casa de apostas desportivas austríaca à 1ª Liga Portuguesa de Futebol é um case-study sobre a globalização, a abertura de mercados e as reacções à mesma. A betandwin avançou com um patrocínio que nenhuma empresa portuguesa teve ensejo de fazer. Assim que se começou a saber da possibilidade de ter uma casa de apostas a patrocinar o campeonato nacional, várias vozes de velhos do restelo se levantaram.

Ai, que horror, promove o jogo!

Pois, mas foi com o Euromilhões, um jogo que, em Portugal, é da responsabilidade da Santa Casa da Misericórdia, que saiu do país, em Julho, o equivalente a 1,4% do PIB...

E não ajuda os pobrezinhos, não apoia os mais necessitados!

Não, mas os vários casinos espalhados pelo país também não e isso não os tem impedido de patrocinar clubes de futebol. Daí a patrocinar a própria Liga, é uma questão de poder financeiro.

Mais uma vez temos um lóbi nacional que pretende impedir que os portugueses procurem e participem de opções de consumo mais adequadas ao seu perfil. A Santa Casa é livre de avançar para sistemas semelhantes aos da betandwin, com uma vantagem competitiva devido à longa ligação emocional que tem com os portugueses. Os casinos têm um estilo de oferta que pode ser substituído pela internet, mas não é emulável na perfeição pois, para os aficionados, o ambiente de uma sala de jogo, para mim semelhante ao de uma morgue com luz e som cheia de mortos-vivos, não pode ser reproduzido num ecrã de 15 polegadas. O mercado pode e deve evoluir. Mas as choraminguices a que assistimos na televisão, como se ambos fossem donos de uma moral que não existe (nem tem de existir) e os ingleses uns gananciosos prontos a sugar até ao tutano o dinheiro dos portugueses - coercivamente, suponho... - são de uma miséria intelectual sem limites. Por tudo isto, espero que o governo tenha o bom-senso de não se imiscuir. Os tribunais que decidam mas, a meu ver, se a lei impossibilitar este patrocínio, não pode permitir a nenhum dos outros intervenientes no mercado nacional do jogo a sua promoção.

sexta-feira, agosto 19, 2005

Boas notícias para a economia! (não, não, agora a sério...)

Angela Merkel, a líder da CDU, partido democrata-cristão alemão, que se encontra à frente nas sondagens para as eleições gerais a realizar no próximo dia 18 de Setembro, apresentou 9 elementos de um futuro governo chefiado por si.

O nome mais importante, o do presumível ministro das finanças, recaiu sobre Paul Kirchhof, ex-juíz do tribunal constitucional e especialista fiscal, o qual advoga uma taxa plana de 25%, semelhante à que existe nalguns países da Europa de Leste.

A implementação de uma medida deste género na maior potência económica da zona Euro seria, por um lado, um forte dínamo na competitividade da economia alemã e na dos seus parceiros económicos, como Portugal, e, por outro, poria os partidos de poder por toda a Europa a pensar e discutir seriamente a sua implementação dentro de portas, sendo quase certo que o PSD faria tal proposta nas próximas eleições legislativas.

Para que tudo isto aconteça, precisamos apenas que Angela Merkel não cometa mais gaffes ao estilo Guterres, como confundir valores brutos e líquidos...

Mais um comboio para Servidão

O Zimbabué de Robert Mugabe está, seguramente, no top 5 dos piores países para viver. A seu lado estarão a Coreia do Norte, a Birmânia e mais uma ou outra ditadura africana. Todos fervilhantes democracias liberais e economias de mercado.

Depois de uma expropriação racista das propriedades agrícolas, que conduziu à destruição da capacidade de produção e à famina generalizada, depois da censura e das perseguições políticas que o regime tentou apelidar de anti-nacionalistas, à semelhança do que tem feito Hugo Chavéz na Venezuela, depois do apoio sul-africano a um déspota que tem conseguido destruir toda a capacidade produtiva do país, chegou a vez de, em desespero de causa, o governo de Harare aumentar brutalmente a carga fiscal, no caso o IVA, de 2,5% para 17,5% , na esperança vã de obter uma percentagem mais elevada de nada, que é o que resta depois da razia por si promovida.

A economia é como uma planta selvagem. Se a deixarmos em paz, ela vive e prospera. Se passarmos a vida a trasladá-la, tirar-lhe folhas, racionar-lhe os nutrientes, tapar-lhe o sol, tirar-lhe a terra, ela definha e morre.

quarta-feira, agosto 17, 2005

Frases Livres - 6

"Não terei eu o direito de fazer o que quero com o que é meu?"

Mateus 20:15

O direito à propriedade está, desde tempos imemoriais, associado à liberdade do Homem e tem sido causa de diversas revoltas e convulsões sociais. Por direito à propriedade deve entender-se também o fruto do nosso trabalho e por diminuição desse direito o pagamento de impostos a quem quer que seja. No passado foram os senhores feudais, depois os reis e finalmente os Estados, mas o princípio norteador é o mesmo: a existência de uma minoria esclarecida capaz de escolher melhor como utilizar o dinheiro dos cidadãos do que os próprios, que trabalharam para o ganhar.

Assim, o pagamento de impostos deve-se reduzir ao mínimo indispensável e cada um deve ter em si mesmo o que tal significa para si, mas sabendo sempre que cada euro que entrega ao Estado corresponde a uma parte da sua vida, gasta para o merecer. O que cada um está disposto a ceder, fica ao seu julgamento individual, mesmo que seja coercido a entregar mais do que isso.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Boas notícias para a economia!

Depois da anunciada construção do aeroporto da Ota e do consequente encerramento da Portela, projecto que já está decidido apesar de não ter sido efectuado nenhum estudo de viabilidade económica, a economia portuguesa continua o seu caminho triunfal rumo ao crescimento sustentado que se estima agora que, com estes novos projectos, poderá atingir valores asiáticos de 8 a 9% ao ano:

- O Grupo Sonae decidiu fechar o Centro Comercial Colombo até 2007, tencionando inaugurar no mesmo ano um mega-centro comercial na Malveira da Serra. Quando confrontados com a grande distância a que o novo empreendimento se encontrará dos grandes centros urbanos, o grupo de Belmiro de Azevedo disse que não tinha feito previsões de visitas mas que ia ser uma área comercial "do caraças".

- A Galpenergia tomou esta tarde a decisão de desmantelar a Refinaria de Sines e construir uma nova unidade industrial na região de Barrancos. De acordo com o porta-voz da empresa, um dos administradores da empresa "teve um sonho durante a noite, em que via o Alentejo profundo coberto de oleodutos, tanques e colunas de destilação, com milhares de pessoas a trabalhar. Viu também grandes torres de perfuração, pelo que acreditamos que exista petróleo algures lá para o interior, o que explicaria a abundância de porco preto". Questionado sobre a viabilidade económica do projecto, o porta-voz, indignado, disse: "Então acha que um sonho destes não é viável?"

- O Futebol Clube do Porto vai construir um novo estádio na zona de Amarante. Pinto da Costa, ao apresentar a sua candidatura à Presidência da Câmara do Porto, salientou a necessidade de afastar do centro da cidade os grandes aglomerados de gente, e vai fazer lobby no sentido de extender a rede de TGV até ao futuro Estádio Dragonball, com capacidade para 200 000 espectadores. Questionado sobre se considera que esta opção não diminuirá o nº de adeptos em vez de a aumentar, Pinto da Costa respondeu: "Os grandes timoneiros não tomam decisões erradas, o mercado é que por vezes boicota, num comportamento reaccionário, as suas sábias escolhas, penso eu de que...".

quarta-feira, agosto 10, 2005

Crise, qual crise???

A SIC noticiou ontem, por análise dos indicadores económicos de Junho do Banco de Portugal, que o desequilíbrio da balança comercial se acentuou em 2005 devido ao aumento das importações de petróleo.

Da análise do Quadro 4 retiramos que as importações de combustíveis aumentaram, até Abril deste ano, 52.5% face à média do ano anterior. Porém, esqueceram-se de salientar que as exportações de combustíveis aumentaram, face a igual referência, 85.6%.

Se analisarmos, porém, os bens de consumo, verificamos que as nossas exportações caíram 5% enquanto as nossas importações aumentaram 1.6%, mantendo-se os hábitos de consumo não sustentados dos portugueses que têm conduzido ao terrível desequilíbrio comercial de Portugal.

A dúvida com que fico é se os jornalistas responsáveis pela reportagem não souberam analisar os dados do Banco de Portugal ou preferiram culpar a conjuntura internacional de alta do petróleo em vez de encontrar respostas nos hábitos de consumo dos portugueses.

segunda-feira, agosto 08, 2005

União das Bananas

A União Europeia (UE) continua a sua política de proteccionismo e de desigualdade de condições de acesso ao seu mercado. Desta vez, é de novo a discussão das tarifas sobre as bananas (!) . Parece incrível, mas é verdade, e a maior parte dos cidadãos desconhece de todo estas políticas europeias, que se sucedem nos corredores de Bruxelas e de outras capitais europeias de peso.

A história é a seguinte: A UE dá preferência à importação de bananas de alguns países, essencialmente ex-colónias francesas e inglesas, em detrimento, por exemplo, dos países da América Latina. Assim, estabeleceu quotas e tarifas para cada grupo de países, consoante a "cunha"... com a entrada de novos países na UE houve que rever estes valores, mas o princípio mantém-se, prejudicando grandes produtores, como o Brasil, o Equador e a Venezuela - não que Chavez tenha muito a dizer sobre políticas proteccionistas e anti-globalização... - em favor de alguns países africanos, do Caribe (como a Jamaica) e do Pacífico, vá-se lá saber porquê... estes países, favorecidos pela política europeia, acabam por também fazer lobby a favor da sua manutenção e a desenvolver a sua indústria tendo em conta os benefícios recebidos, que não os incentiva ao aumento da competitividade.

A última revisão de valores feita pela UE previa um aumento da tarifa de 75 para 230 euros por tonelada, um aumento brutal numa política já de si vergonhosa.

Alguns dos países discriminados pela medida europeia, apoiados pelos EUA, apresentaram queixa junto da Organização Mundial do Comércio e saíram vencedores, pelo que a Europa terá que rever os valores em questão, não sendo de esperar, porém, nenhuma inflexão na política.

Só me resta ter vergonha dos nossos dirigentes políticos.

domingo, agosto 07, 2005

Uma fogueira chamada Portugal

Recebi de um amigo uma carta aberta intitulada "A Indústria dos Incêndios", supostamente assinada pelo sub-director de Informação da SIC, José Gomes Ferreira (JGF), em que este se indigna perante a calamidade incendiária que anualmente varre o país de Norte a Sul. Segundo ele, há todo um negócio que gira em torno da madeira, dos terrenos ardidos e do próprio combate aos fogos que encontra incentivo económico para encher o país de chamas. Nesta carta, José Gomes Ferreira aborda uma sequência de assuntos cujo pólo agregador são os incêndios, tentando potenciar algumas possíveis medidas para mudar as coisas. Tentarei analisar algumas das suas críticas e propostas, no sentido de desenhar uma possível alternativa à realidade que existe e às propostas de JGF.

1 - Porque é que o combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas, ao contrário do que acontece noutros países europeus da orla mediterrânica? Porque é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após tantos anos de ocorrências? Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair? Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis? Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?

Julgo que é importante não confundir nunca a função dos bombeiros com a das Forças Armadas, sob risco de continuar a insisitir num modelo voluntarista e pouco profissional de combate ao fogo. Agora que acabou o Serviço Militar Obrigatório, que colocava nos quartéis milhares de jovens sem ocupação, a desperdiçarem o seu tempo em actividades inúteis como montar e desmontar espingardas e pistolas, deixou de fazer sentido a utilização de militares de carreira, com funções próprias dentro da hierarquia das FA's, em programas de desmatação ou de combate a incêndios. Pode-se discutir a utilização dos escassos recursos financeiros que temos em equipamento militar ou civil, mas não se pode confundir as missões das duas carreiras.
Devemos, isso sim, criar uma estrutura profissional de bombeiros, à semelhança da da polícia, como acontece nos Estados Unidos, acabando com a figura do bombeiro voluntário que faz hoje tanto sentido como faria a do polícia voluntário. Só com bombeiros profissionais, que durante o Inverno poderiam desempenhar funções de fiscalização das matas ou mesmo de desmatação, e que deveriam estar devidamente equipados para o combate ao fogo, poderemos tentar melhorar a situação. O típico voluntarismo de cariz socialista, a fazer lembrar o combate maoísta às pragas de gafanhotos, que levou à destruição das colheitas e à famina generalizada, não permite optimizar recursos humanos e materiais.
Quanto ao eventual incentivo que exista para que empresas privadas de aviação especializadas ao combate a fogos promovam o aparecimento desses mesmos fogos, essa realidade poderia ser facilmente alterada se o Estado estabelecesse contratos com essas empresas, não em função das horas de utilização no combate às chamas, que "incentiva" a existência de incêndios, mas por um período de tempo, como uma avença. Se o pagamento a estas empresas não tiver qualquer tipo de proporcionalidade directa com o nº de fogos, o incentivo à ignição de fogos termina.

2 - A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios...

Não conhecendo esta realidade, é-me dado a entender pelas palavras de JGF que os madeireiros, intermediários no negócio da pasta de papel, conseguem comprar a madeira a um terço do preço da madeira não ardida. Numa perspectiva de mercado, não compreendo porque é que os donos da madeira a vendem a tal preço se o seu valor para as celuloses é o mesmo. Será por ignorância e falta de liquidez no mercado? Se assim fôr, poder-se-ia criar um Mercado de Madeira Ardida, onde todos os proprietários venderiam a sua madeira a madeireiros ou, até, directamente às celuloses. Seguramente que, aumentando a liquidez e a transparência dos preços, esse negócio da China tenderia a encontrar um equilíbrio de mercado.

3 - Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.

Este é um caso típico de corrupção pública, que acontece com ou sem incêndios, com mexidas no PDM antecedidas de compras e vendas de propriedades nos terrenos envolvidos. É um caso de polícia e de tribunal.

4 - À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder". Uma clara vingança de quem não quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso ao regime livre.

O direito à propriedade é fundamental para a existência de uma democracia liberal como a nossa pretende ser e o fim do regime livre de caça foi uma benção para todos os proprietários que se viam acossados nos seus próprios terrenos durante a época de caça. Sempre existirão interesses egoístas e cobardes e para os combater temos, como no ponto interior, os braços policial e judicial do Estado.

Infelizmente, JGF acaba por fazer sugestões que em pouco ajudarão a melhorar o estado das coisas, como por exemplo "Distribuir as forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções de vigilância permanente." Não é para isto que temos FA's. Se o nosso Exército tem soldados profissionais para fazer este tipo de vigilância, então tem gente a mais à custa do contribuinte. Desvinculem-no do Exército e ofereçam-lhe um contrato de bombeiro profissional.

Julgo ter focado alguns dos pontos mais importantes no que a este tema se refere. Bombeiros profissionais, devidamente equipados, com funções fiscalizadoras nas matas, um Mercado de Venda de Madeira e contratos de avença a empresas privadas de aviação, são algumas medidas que poderiam ajudar a melhorar a situação.

quarta-feira, agosto 03, 2005

Ota(gate?): Um caso para estudo

Todo o projecto de substituição do aeroporto da Portela tem sido, em si mesmo, um paradigma dos malefícios da intervenção do Estado na economia de um país e a prova de que o Estado, pela voz dos governos, pode ir ao arrepio da opinião generalizada da sociedade, promovendo interesses minoritários e obscuros.

Tal como salienta hoje no Diário de Notícias o engº Arménio Matias, presidente da Adfer, a larga maioria dos directamente envolvidos nas actividades afectadas pela relocalização do Aeroporto de Lisboa - Turismo, aviação e handling, transportes terrestres, a autarquia de Lisboa - opõem-se à solução proposta ou apresentam imensas reservas. Não existem quaisquer análises comparativas de investimento, face a outras soluções existentes, como sejam a manutenção da Portela complementada por Alverca ou Montijo para low costs e charters, que permitiria a sustentabilidade do aparelho aeroportuário de Lisboa pelo século XXI a dentro. Os estudos técnicos comparativos efectuados não concluem cabalmente sobre a superioridade de nenhuma solução, de entre um lote em que constam a Ota, Rio Frio, Montijo A (Norte/Sul) e Montijo B (Este/Oeste), mas não Alverca.

Os únicos lobbies que têm a ganhar - e muito - com todo este projecto são os mesmos que têm sido beneficiados por sucessivos governos e pelo poder local: a construção civil e o imobiliário. E podem, caso avance um processo de encerramento do aeroporto da Portela e construção de um gigantesco aeroporto da Ota, ganhar em duas frentes. Na Portela, com a extensão da Alta de Lisboa, o maior projecto imobiliário de sempre em Lisboa, maior mesmo que o da Expo, cuja entidade gestora, a Sociedade Gestora da Alta de Lisboa, S.A., é detida pela Guinor, de Stanley Ho, pela A. Silva & Silva, dona de boa parte dos parques de estacionamento de Lisboa e a Edifer, forte grupo de construção civil. Curiosamente, é precisamente do Grupo Estoril-Sol, também de Stanley Ho, que vem o recém-nomeado presidente da Caixa Geral de Depósitos, no dia em que se sabe que a causa da substituição de parte da actual administração poderá estar relacionada com a recusa de Vitor Martins em, através da CGD, financiar ou cobrir o risco do investimento privado na Ota e no TGV. Na Ota, com a construção de uma infra-estrutura mastodôntica e com a urbanização e construção rodoviária e ferroviária - com ou sem projecto TGV - do equivalente a uma pequena cidade, sendo a maioria dos terrenos circundantes propriedade, segundo o Blogue de Esquerda, da Tiner/Renit, do Turiprojecto e da Espírito Santo Activos Financeiros (mas porque é que estes tipos estão sempre onde existem situações difusas com o poder ou, por outras palavras, PPPs, leia-se Promiscuidades Público-Privado?) .

Continuo a defender que a realização de um referendo nacional sobre esta matéria poderia ser uma forma de devolver à sociedade algum voto - literal - na matéria. Seria usado partidariamente? Claro que sim, também o do aborto ou da constituição europeia. Mas um mal menor não pode anular um bem maior e esta é a hipótese por que esperávamos para dizer ao poder político que a sociedade civil está viva e alerta e que não mais permitirá que meia dúzia de oligopolistas partidarizados nos esgotem recursos, impedindo-nos de criar, finalmente, um desenvolvimento sustentável, sem novos-riquismos bacôcos típicos de dirigentes terceiro-mundistas.

segunda-feira, agosto 01, 2005

Por este rio abaixo

No The Economist da semana passada é abordada uma questão que levanta sempre bastantes dúvidas. Prende-se com o direito de utilização de recursos hídricos, neste caso, um curso de água, por terceiros, sem autorização do proprietário, isto é, no fundo, prende-se com o direito à propriedade privada sobre cursos de água.

Cada país tem a sua legislação específica, que dá mais ou menos direitos de livre utilização aos cidadãos, restringindo os direitos do proprietário do terreno envolvente. Em Portugal, por exemplo, qualquer curso de água ou barragem que retenha recursos hídricos oriundos de um pode ser publicamente utilizada, sendo o proprietário do terreno obrigado a permitir o acesso ao mesmo.

O artigo da revista inglesa focava uma disputa existente nalguns estados norte-americanos entre proprietários de ranchos e donos de empresas de rafting, que exploram a sua actividade em cursos de água que atravessam os ditos ranchos. Estes queixam-se de prejuízos de monta nas suas actividades de pesca fluvial e de, por várias vezes, terem necessitado de socorrer praticantes em perigo.

A inexistência de direitos de propriedade bem definidos conduz, norma geral, à exploração abusiva dos recursos, num comportamento ambiental e economicamente incorrecto. A gratuitidade leva quase sempre ao abuso de consumo. Assim, a propriedade dos recursos hídricos deve estar bem definida, não permitindo interpretações ambíguas e, caso os Estados considerem que esta deve ser pública, devem existir entidades, públicas ou, preferencialmente, concessionadas, que exerçam a gestão desses recursos, por forma a racionalizar a sua utilização. Esta perspectiva é óbvia em casos como o dos rios Douro ou Tejo, em que existe navegação marítima, mas deveria abranger todos os cursos de água que não fossem considerados privados, por forma a arbitrar as várias explorações possíveis.

Big Brother is watching you... not watching

Em quase todos os países ocidentais existe algum tipo de regulação e qualificação dos programas de televisão, existindo horários em que determinados programas não podem ser transmitidos, como forma de prevenir que os menores se desgracem, num misto de sexo e obscenidade... Quem não se lembra da polémica gerada pela transmissão do filme Império dos Sentidos, à cerca de quinze anos atrás, no canal 2, cerca das 22 h?

Nos Estados Unidos discute-se agora a extensão deste tipo de controlo aos canais por cabo, até hoje livres de qualquer tipo de censura. A verdade é que se pode discutir se deve ou não existir este tipo de controlo. Havendo numa dada forma de transmissão, não se compreende por que não estendê-la a outras...

O tipo de programas que os filhos podem ou não ver deve ser exclusivamente uma escolha dos seus pais, únicos responsáveis pela sua formação - ou, de modo mais generalista, dos seus encarregados de educação. Não pode caber ao Estado a definição de limites para o socialmente razoável, pois este, eleito apenas por uma parte da população, tenderá a desenhá-los de acordo com os parâmetros ideológicos dessa parcela da população, inibindo os direitos dos restantes.

Além do mais, está hoje disponível tecnologia - pelo menos nos EUA, fomentada por Bill Clinton sob o nome V-chip - que permite aos pais definir que tipo de programas permitirão que os seus filhos vejam, facilitando a sua tarefa, sem necessitar da intervenção abusiva do Estado. Este deverá, pois, ser o caminho, que devolverá a quem de direito a responsabilidade e a satisfação pela orientação socio-cultural das futuras gerações e da nossa sociedade.